Existe frase mais irônica do que “Sorria, você está sendo filmado”?
Uma forma um tanto inusitada de brincar com coisa séria. Porque as
coisas sérias são lúdicas. Precisam ser. Se a seriedade for levada a
sério a vida perde o sabor. Sal insosso. Cego míope. As coisas são
criadas através desses paradoxos. A moral surge com a percepção da
diferença. Das polaridades. Da ambivalência falsa. Dos opostos que se
dispersam.
O mundo foi dividido bem antes da
divisão matemática. A Rota da Seda já era uma highway. Ramsés II era um
guri correndo às margens do Nilo. O Messias era um sonho. A conquista do
Mediterrâneo era uma utopia para milhares de civilizações. A única
realidade que sobressaltava pálpebras carregadas de sono era o racismo.
As pessoas precisam de divisão, talvez por prazer ou imposição. O
planeta é cheio de mapas. Linhas imaginárias precisam medir, separar,
anexar, repartir, demarcar. É imprescindível a existência de dois
hemisférios, meridianos, trópicos… Não seria diferente com as raças.
Para um país como o Brasil que é
multicores, multisons, e multimídia, racismo acende apenas um
interruptor: a segregação racial. Brancos soberanos. Negros súditos.
Brancas são protagonistas. Negras são domésticas. O que existe de
opiniões e obras sociológicas e antropológicas a esse respeito não está
escrito, digo, está escrito. Enfadonho regurgitar.
Mas a sociedade mudou. Têm mudado aos
poucos. O marketing tirou proveito dessa revolução moral e ética. As
pessoas são mais iguais. Os negros já atuam em papéis principais. O
Reinaldo Gianecchini agora pode ser motorista. Até as propagandas de
fraldas descartáveis já incluem vários bebês. Loirinhos, asiáticos, e um
mulato, para mostrar que existe a inserção. Já que esse era o objetivo,
poderiam colocar um albino, um pardo, outro com olhos castanhos, ou
azuis, vermelhos… E a gente acha tudo lindo. Porque o comercial não foi
preconceituoso.
A veiculação de um comercial de TV, onde
cinco crianças brincam numa mesa, sendo que quatro delas são brancas e
uma negra não é nenhum exemplo de que a sociedade mudou. Francamente,
mudou o quê? A obrigação de inserir uma “outra raça” dentre as demais é
uma forma sutil de dizer: “Olha, o diferente também está aqui. O
perseguido agora é igual a todo mundo. Os caucasianos não são os únicos
que têm beleza!”. Isso, por si só é segregação.
Enquanto houver espaços para pessoas X,
cotas para pessoas Y, ou cargos para XY o racismo continuará em vigor. A
todo vapor. A inexistência do racismo se aplica a não percepção do
oposto. Enquanto eu olhar para alguém e caracteriza-lo por sua cor, lá
no âmago da consciência ou inconsciência eu segreguei. Separei o joio do
trigo. O negro do branco. Eu e ele. O meu lugar e o outro.
Creio que esse século free, da liberdade
em cada esquina já começou errado. Corrigir as babaquices de milênios
não é fácil. Fica ainda mais difícil quando a solução é buscada das
piores formas possíveis. A intenção é boa. Mas todos nós temos boas
intenções. Nos EUA, a reeleição de um presidente negro é um orgulho,
para muitas pessoas. Mas por quê? Por que Obama é negro? E o que há de
diferente nisso? Ah, um negro na casa “branca” é um fato inédito!
Incrível seria um rato no governo, ou um cavalo no senado. Se bem que
Calígula até tentou este feito, mas…
Será que as pessoas não percebem que
isso é uma forma de racismo? De separação? Uma sociedade igualitária não
se surpreende quando este ou aquele cidadão chega ao poder por ter uma
pele de outra cor. A gente não mudou nada. Acordamos vegetarianos e
jantamos no Mc Donald’s. Inserimos vagas especiais, bebês negros em
propagandas de fraldas descartáveis, reelegemos o Obama e fazemos do
Lázaro Ramos um galã… Se isso for alguma forma de retribuição pelos
erros do passado, coitados de nós. A maioria das pessoas não pensa
nisso. A gente finge que é socialista, mas prefere os calçados mais
caros. A mídia é sutil e igualitária, até que a sorte nos separe. Deles.
Qualquer tentativa de inserção dos
negros, como se fossem pessoas diferentes, já é racismo. Um racismo
nato, clássico, daqueles que a gente carrega no peito como medalha
enferrujada e esquecida. Inserir alguém entre os demais é soma. Colocar
os demais com alguém é divisão. E divisão não é consciente, nem
quociente, nem igualdade, nem sociedade e outras ades… Compreendeu ou
vai segregar?
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