A Polícia Federal, a Receita e o Ministério Público Federal estão
investigando uma “máfia” dedicada a fraudar a compra e venda de shows
públicos de grandes artistas.
Segundo levantamento obtido pela
reportagem, o volume de dinheiro obtido por meio de fraude na
contratação, superfaturamento de cachês ou infraestrutura pode passar de
R$ 100 milhões apenas nos últimos três anos. Somente no interior de São
Paulo há R$ 15 milhões já bloqueados pela Justiça a pedido do
Ministério Público Federal.
Por enquanto há investigações em curso
em São Paulo, Rio, Pernambuco, Amazonas, Bahia, Pará, Ceará, Piauí e
Rio Grande do Norte. A investigação começou em 2010, no interior de São
Paulo, e depois se espalhou pelo país.
Quem
a iniciou foi Thiago Lacerda Nobre, hoje chefe da Procuradoria Geral da
República em São Paulo, e procurador da República em Santos.
“Quando
viajava a trabalho pelo interior de São Paulo comecei a perceber que
algumas cidades minúsculas estavam fazendo eventos com artistas de
renome nacional, cujos cachês eram caríssimos. Começamos a investigar
porque não havia como aquelas cidades bancarem tantos shows e festas de
peão. Acabamos descobrindo uma série de irregularidades, que envolviam
não só as cidades, mas até o governo federal, que era fraudado por meio
de convênios culturais”, afirmou o procurador.
Segundo Lacerda
Nobre, somente no interior de São Paulo 32 cidades com governantes ou
contratantes (de áreas culturais ou de eventos) estão hoje sofrendo
ações de improbidade; além disso, há dez ações criminais em curso contra
ex-prefeitos suspeitos de envolvimento ou facilitação das fraudes, e
mais R$ 15 milhões já bloqueados até que as investigações terminem.
“Esse valor se refere apenas a bloqueios já realizados entre 2010 e 2013, e somente na região de Jales”, afirma o procurador.
No
restante do país, segundo a reportagem apurou junto a fontes da PF e
MPF, as fraudes podem somar mais de R$ 100 milhões desde 2013. Há novas
ações sendo iniciadas em outros Estados, porém um dos artistas já
condenados a ressarcir os cofres públicos nos últimos meses foi o
sambista Zeca Pagodinho. Sua empresária, Leninha Brandão, confirma a
condenação, mas nega irregularidades e afirma que os advogados do
artista vão recorrer (leia texto abaixo). No caso de Zeca, a ação contra
ele se desenrolou em Brasília.
Modus operandi
A
fraude mais comum, segundo o procurador, é aquela em que um
atravessador recebe informação privilegiada de que esta ou aquela cidade
fará uma grande festa (de aniversário por exemplo) e que a intenção é
de contratar a dupla sertaneja “X”. De posse da data, o atravessador
então se antecipa, entra em contato com a dupla e faz uma oferta de
compra da data em questão.
Quando um funcionário da prefeitura
entra em contato com o empresário da dupla, dizendo que a cidade tem
interesse em contratar seus artistas, é informado que a data em questão
já está vendida, e que a prefeitura deve procurar o
empresário-atravessador. Não raro, a prefeitura acaba pagando um preço
às vezes exorbitante pelo cachê dos artistas de seu interesse, porque o
“atravessador” sabe que não há outras opções e “enfia a faca” no
município.
O problema é que, segundo o Ministério Público Federal,
há suspeitas de que muitos empresários e mesmo artistas decidiram
entrar no “esquema” nos últimos anos. Há uma lista de empresas,
empresários e artistas sendo investigados. Dezenas de sigilos fiscais já
foram quebrados, com autorização da Justiça.
Técnicos da Receita
Federal, por sua vez, estão cruzando dados de faturamento de artistas
com dados declarados por prefeituras que os contrataram.
Máfia regionalizada
Segundo
dados obtidos pela reportagem, a “máfia dos shows” está hoje instalada
em ao menos oito estados. Em cada um deles, a máfia designou um
“atravessador”, ou comprador de shows.
Sempre que uma cidade do
interior desses estados quer comprar o show de algum grande artista,
acaba sendo “obrigada” a tratar da contratação por meio do atravessador
desse estado. Mesmo em alguns casos, contratações de artistas por
empresas e locais privados também foram prejudicadas.
Os
escritórios e suspeitos investigados pela força-tarefa estão atualmente
localizados em São Paulo, Rio, Fortaleza, Recife, Manaus, Salvador,
Belém, Natal e Teresina.
Outra modalidade de fraude que está sendo
investigada envolve a contratação dirigida de empresas ligadas a
funcionários públicos (de áreas como Cultura e Eventos) que vem mantendo
monopólio no fornecimento de equipamentos e infraestrutura para grandes
shows, como som, iluminação, segurança e até banheiros químicos (veja
álbum, no topo desta página).
Thiago Lacerda Nobre, procurador-chefe da Procuradoria da República em SP.
UOL
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