Um terreno de 17 mil metros quadrados pertinho do mar, em uma das
praias mais famosas do país — a da Pipa, no Rio Grande do Norte —, está
no centro de uma inusitada disputa entre Luiz Fernando da Costa, o
Fernandinho Beira-Mar, e a advogada Cecília Mara Machado, ex-defensora
do traficante. Vendido por R$ 1,2 milhão para a construção de um luxuoso
empreendimento imobiliário, o imóvel é considerado pelo Ministério
Público Federal (MPF) uma evidência de que Cecília atuou como laranja da
organização criminosa de Beira-Mar.
O traficante, a advogada e o marido dela são denunciados por lavagem
de dinheiro e organização criminosa em processo que tramita em Rondônia.
A denúncia foi baseada em documentos apreendidos pela Polícia Federal
durante a Operação Epístola. Entre as provas, há um bilhete escrito a
mão por Beira-Mar, no qual ele reclama ser o dono do terreno, avalia o
imóvel em R$ 1,5 milhão e determina que a advogada devolva tudo que é
dele. Segundo a denúncia, o bandido repassou o imóvel a Cecília para
esconder que era o verdadeiro dono. A advogada nega, e diz que o
terreno, revendido em 2016, já pertencia ao marido quando começou a
advogar para Beira-Mar.
A curiosa disputa é apenas um dos casos em que advogados foram
condenados, denunciados ou estão respondendo a processos por
envolvimento com os maiores criminosos do país, para os quais trabalham
ou já trabalharam. Lavagem de dinheiro é o crime mais comum atribuído a
eles. Além de Cecília, três defensores de Beira-Mar são acusados de
colaborar ativamente para que o mais perigoso condenado do país
derrubasse as rígidas barreiras do presídio federal de segurança máxima
de Porto Velho e expandisse seus negócios para Suriname, Bolívia e
Paraguai durante os cinco anos em que passou naquela unidade. Ele hoje
está em Mossoró.
Em comum, todos esses defensores continuam em situação regular junto à
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autorizados a trabalhar
normalmente, como se não fossem investigados por crimes.
O criminalista Alexandre Raggio Gritta Hage, chamado de Ítalo pela
quadrilha de Beira-Mar, responde a processo sob a acusação de ter atuado
diretamente na compra de armas e drogas no Paraguai para o traficante. A
participação de Hage foi descoberta após a confrontação dos dados das
agendas dos aparelhos telefônicos do filho de Beira-Mar, Luan Medeiros
da Costa. Na Operação Epístola, a PF obteve provas de que Hage, além de
comprar armas, cuidava de entregas de dinheiro para criminosos.
Funcionaria como uma espécie de tesoureiro do bando. No processo, o
criminalista é tratado como uma espécie de relações-públicas do grupo no
tráfico internacional de drogas.
“Embora seja advogado, há, nos autos, provas suficientes de que
realiza atividades que transcendem o exercício da advocacia”, diz a
denúncia do Ministério Público.
Curiosamente, Hage é defendido na ação por Wellington Corrêa da Costa
Júnior, um dos mais antigos defensores de Beira-Mar, que também já
figurou no rol de culpados. Ele e o advogado Lydio da Hora, seu sócio em
um escritório de advocacia no Rio, foram presos em flagrante em
novembro de 2004, quando pagavam R$ 100 mil em espécie a policiais
federais para impedir a prisão de Marcos José Monteiro Carneiro, então
tesoureiro da quadrilha.
Condenado inicialmente a dez anos de prisão, Wellington conseguiu a
redução em um terço e, depois, a prescrição de seu crime. Não deixou de
advogar. Foi exatamente Hage, que agora é réu na Operação Epístola, quem
o defendeu na ocasião. Lydio da Hora, que já morreu, também foi
condenado por tentar subornar os policiais, e conseguiu a prescrição do
crime em razão da idade. Os dois constam como donos de dois postos de
gasolina em Itaguaí e Campo Grande, na Zona Oeste.
A irmã de Beira-Mar, Alessandra da Costa Portella Vanderlei, é outra
que esteve presa. Foi indiciada por lavagem de dinheiro em Rondônia, mas
continua em situação regular na OAB. Ela foi acusada de comandar, com a
mulher de Beira-Mar, Jacqueline Moraes da Costa, a administração dos
bens do traficante que estão em nome de laranjas.
Pipa na pauta.
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