Em meio às restrições orçamentárias do governo federal, o Comando
Militar do Leste, vinculado ao Comando do Exército, realiza uma
licitação estimada inicialmente em R$ 6,5 milhões para a compra de
mantimentos que incluem uma lista de produtos refinados e bebidas
alcoólicas.
Entre os produtos licitados estão duas toneladas de camarão, 109
potes de caviar e milhares de garrafas bebidas alcoólicas, como vinhos
nacionais e importados, uísque, cachaça e espumante. Questionado pela
reportagem, o Exército disse que esses artigos serão destinados ao
abastecimento dos restaurantes e bares de dois hotéis da corporação no
Rio e serão vendidos aos hóspedes (leia mais abaixo).
Os hotéis de trânsito do Exército são frequentados por militares, em
missão ou não, seus dependentes (se acompanhados dos militares) e
servidores civis das Forças Armadas. Civis não vinculados às Forças
Armadas só podem se hospedar nos estabelecimentos com autorização dos
militares.
A licitação para a compra de itens como uísque, cachaça, camarão e
caviar faz parte de um processo que começou em maio deste ano e ainda
está em andamento. Ela não indica um gasto já feito, mas sinaliza que o
Exército tem na compra desses itens. Ao todo, a licitação prevê a compra
de 449 itens.
As quantidades de produtos, considerados “refinados” segundo o
próprio edital lançado pelo Exército, chamam a atenção. Há 1.994 kg de
camarão de diversos tipos (fresco, sem casca, congelado etc.), 330 kg de
salmão em posta, 240 caixas de carpaccio de salmão (embalagens com 300
gramas), além dos 109 potes de caviar. Também foram llicitadas 3.751
garrafas de vinho de diversos tipos, importados e nacionais, 7.200 latas
de cerveja, 30 garrafas de uísque, 23 de tequila, 35 de vodca e 360 de
espumante.
A quantidade de vinho licitada pelo Comando Militar do Leste neste
ano é 20% maior do que a de 2016, quando um edital semelhante foi
lançado. Naquele ano, a instituição mandou licitar 3.124 garrafas de
vinho. O aumento no volume licitado também se verificou em outros itens
como o salmão em posta. Em 2016, o Comando licitou 300 quilos do
produto. Neste ano, a quantidade licitada foi 10% maior: 330 quilos.
O mesmo aconteceu com o caviar. Em 2016, foram licitados 90 potes de
caviar de 100 gramas. Em 2018, esse número aumentou para 109, um
crescimento de 21%. Cada pote tem um preço estimado em R$ 136,48.
Exército diz que itens irão para hotéis, não para quartéis
Questionado pela reportagem, o Exército disse que os itens
“refinados” e as bebidas alcoólicas licitadas pelo Comando Militar do
Leste serão utilizados exclusivamente por dois hotéis de trânsito da
corporação, e não nos quartéis, e visam atender ao consumo dos seus
hóspedes.
“Gêneros como camarão e salmão são destinados exclusivamente pelos
hotéis, haja vista que a alimentação da tropa do Comando Militar do
Leste é proveniente da Diretoria de Abastecimento (Comando Logístico) e
da Unidade Base de Administração da 1ª Região Militar”, disse o Exército
por meio de email.
A explicação é semelhante à justificativa dada pelo próprio Comando
Militar do Leste no termo de referência da licitação, um dos documentos
que, junto com o edital, determinam as regras desse processo de compras.
“O Hotran [Hotel de Trânsito] e o CGEA realizam atividades de
hospedagem, realização de eventos, reunião de empresas e de instituições
públicas e encontros internacionais. Desta forma, suas necessidades
quanto às aquisições de gêneros alimentícios são diferenciadas de uma
unidade comum do Exército Brasileiro, justificando a possível aquisição
de itens mais refinados e de bebidas alcoolicas”, diz um trecho do termo
de referência.
Os hotéis em questão são o Hotran (Hotel de Trânsito do Comando
Militar do Leste), que fica ao lado do Forte de Copacabana, no Rio de
Janeiro, e CGEA (Centro General Ernani Ayrosa), que fica no distrito de
Itaipava, em Petrópolis,uma área conhecida pelo turismo na região
serrana do Rio.
Uma das justificativas usadas pelo Exército para explicar a demanda é
que esse material vai abastecer os bares que atendem as piscinas dos
hotéis.
“O cardápio, principalmente o de utilização das piscinas, possui
grandes variedades [de itens] que demandam a aquisição dos produtos
referenciados”, disse o Exército em email enviado à reportagem.
O Exército afirmou ainda que a consumação desses itens é paga
integralmente pelos hóspedes. Na prática, o Exército adquire esses itens
com recursos públicos e os revende em seus hotéis. “Toda alimentação e
bebidas são custeadas pelo próprio hóspede”, disse a instituição.
Crise fiscal atinge contas do governo
O edital para a compra de caviar, espumante e vinho para o Exército
foi lançado em maio, um mês depois de a equipe econômica do governo
federal manter a previsão para um déficit nas contas públicas de R$ 139
bilhões para 2019 e dois meses depois de o governo liberar R$ 1,2 bilhão
para a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.
O Comando Militar do Leste, responsável pela licitação, era comandado
até o início deste ano pelo general Braga Netto, nomeado por Temer para
liderar a intervenção federal no estado.
Em relação à proximidade da liberação das verbas para a intervenção
federal, o Exército negou que o Comando Militar do Leste, que dá suporte
à ação, esteja utilizando recursos destinados a essa ação para custear a
compra de bebidas alcoólicas e artigos como camarão e caviar.
“Em momento algum, recursos da Intervenção Federal estão sendo
alocados para essa finalidade. Toda alimentação e bebidas são custeadas
pelo próprio hóspede”, respondeu o Exército.
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