Do Globo – No mesmo dia em que uma pesquisa de opinião revelou que 60% dos brasileiros consideram ruim ou péssimo o desempenho dos atuais deputados e senadores, um dos símbolos do pior Congresso dos últimos tempos, o palhaço Tiririca,
subiu pela primeira vez – e provavelmente última – à tribuna para
anunciar que está abandonando, decepcionado, a política ao término de
seu segundo mandato.
Tiririca é um símbolo da disfunção de nosso sistema eleitoral, e
sua decepção não tem a menor importância, mas revela a que pontos
chegamos.
A rejeição ao trabalho do Congresso Nacional
atingiu o seu maior número desde o início da série de pesquisas do
Datafolha, em 1993. Além da desaprovação recorde de 60%, a aprovação
desceu a apenas 5%, também o pior número já registrado.
O deputado federal Tiririca parecia que estava renunciando ao mandato
com seu discurso, onde se disse “envergonhado”, “decepcionado” com os
colegas e com a política brasileira e pediu que os outros parlamentares
“olhem pelo País”.
Mas ficará no cargo até o final do mandato, sem se recandidatar. Não
se sabe o que Tiririca fez de seus dois mandatos, pois, além de nunca
ter falado da tribuna até ontem, limitou-se a ser um dos mais assíduos e
menos eficientes dos deputados federais.
Seus projetos tinham objetivos certos, a sua corporação, assim como a
maioria dos colegas: pediu isenção de pedágio para os palhaços e bolsas
de educação para os filhos dos palhaços. E foi acusado, até mesmo, de
ter usado dinheiro público “para viajar e fazer show”. Com a verba de
gabinete, teria comprado uma passagem de Ipatinga para Brasília depois
de um show. Nada grave, diante do histórico dos companheiros que o
envergonham.
Em 2010, foi o mais votado em São Paulo, com 1,35 milhão de votos,
alegando que com Tiririca “pior não fica”. Em 2014, teve 1,01 milhão de
votos e ficou em segundo lugar, atrás de Celso Russomanno, astro popular
em outra dimensão. “Subo nessa tribuna pela primeira vez e pela última
vez. Não por morte. Porque estou abandonando vida pública. (…) Saio
decepcionado mesmo”, declarou.
Ele afirmou que, após o segundo mandato, percebeu que “não dá para
fazer muita coisa”. “Costumo dizer que parlamentar trabalha muito e
produz pouco”, disse, elencando “mordomias” que parlamentares têm
direito, como um salário líquido de R$ 23 mil. Para ele, “não vai
mudar. O sistema é esse. É toma lá, dá cá”, afirmou.
Além de ser consequência da ignorância política do eleitorado e de um
sistema eleitoral que passou a buscar em subcelebridades como jogadores
de futebol, artistas de todos os tipos, inclusive palhaços, e
comunicadores de rádio e televisão os votos que aumentariam suas
bancadas e, principalmente, a participação no fundo partidário, Tiririca
alimentava-se desse sistema que agora critica.
PRB e PR, juntos somam 60 votos na Câmara e têm em suas fileiras,
respectivamente, como puxadores de votos, o deputado mais votado, Celso
Russomano, com 1.524.286 votos, e o segundo mais votado, Tiririca, que
teve 1.016.796 votos.
Graças a isso, o PRB elegeu 8 deputados em São Paulo, três levados
pela votação de Russomano. Já Tiririca elegeu outros dois deputados, e o
PR fez uma bancada de 6 deputados federais em São Paulo.
Além de aumentar as bancadas de seus partidos, esses puxadores de
voto aumentam também o fundo partidário distribuído pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) anualmente aos partidos que participaram das
eleições para a Câmara. A maior parte dos recursos – 95% – é distribuída
entre os partidos de acordo com o número de votos obtidos na eleição
para a Câmara dos Deputados (os 5% restantes são divididos igualmente).
Cada voto obtido por uma legenda equivale, todo ano, a uma
determinada quantia. Na sua mais recente versão, o Fundo estava em cerca
de R$ 800 milhões, o que dá por cada voto válido R$ 12,00.
Os grandes puxadores de voto também recebem uma atenção especial dos
partidos, assim como os grandes craques de qualquer esporte têm
remuneração variável pela performance, ou executivos recebem bônus por
produtividade.
Russomano, por exemplo, “deu” ao PRB mais de R$ 18 milhões nos quatro
anos de seu mandato atual. Tiririca, mais de R$ 12 milhões ao PR. Mas
eles também representam a distorção da vontade do eleitor quando seus
partidos fazem coligações com outros que nada têm a ver com seus
programas.
O ex-presidente Lula, ao terminar seu mandato de deputado
constituinte, o qual desempenhou tão mediocremente quanto Tiririca
agora, saiu esbravejando contra a Câmara, onde, segundo ele, havia 300
picaretas em atividade parlamentar.
Quando chegou à presidência da República 15 anos depois, Lula foi em
busca daqueles 300 picaretas para governar à base da fisiologia e da
corrupção pura e simples. O falecido deputado Ulysses Guimarães dizia
que o próximo Congresso é sempre pior do que o anterior, numa cáustica
visão sobre a falta de renovação de nossa política partidária. E o
Datafolha comprova que a percepção da população sobre nossos
parlamentares só faz piorar.
Tiririca neles.
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