Vigente há um ano, a reforma trabalhista ainda não trouxe resultados
relevantes em termos de geração ou formalização de empregos. Enquanto
especialistas dizem que o tempo é curto para medir seus resultados
práticos, uma das consequências da nova legislação já pode ser observada
nitidamente: a crise dos sindicatos. Com o fim da obrigatoriedade do
pagamento da contribuição sindical, essas entidades hoje enfrentam
dificuldades financeiras sem precedentes, recorrendo à venda do próprio
patrimônio e à demissão de funcionários para se manterem.
Antes da mudança, trabalhadores eram obrigados a colaborar anualmente
com um dia de salário em benefício do sindicato de sua respectiva
categoria. Atualmente, o pagamento é optativo. Segundo dados do
Ministério do Trabalho, os valores pagos por meio de imposto sindical
caíram cerca de 85% (no acumulado de janeiro a setembro, foram
arrecadados 1,9 bilhão de reais, em 2017, e 276 milhões de reais, em
2018). Apesar da queda brusca na receita, o número de sindicatos teve
leve alta, de 16.517 no último ano para 16.663 na parcial mais recente.
De um lado, sindicalistas denunciam um “crime”, enquanto apoiadores
do fim da arrecadação compulsória se dizem em defesa da “liberdade” do
trabalhador. “A legislação eliminou o custeio dos sindicatos, sem
nenhuma transição ou verba que substitua, foi um crime. Seguimos dando
assistência jurídica gratuitamente, promovemos uma série de atividades
coletivas, fazemos negociações que beneficiam tanto associados quanto
não associados… e não podemos ter nosso custeio”, expõe Ricardo Patah,
presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores) e do Sindicato dos
Comerciários de São Paulo.
O sindicato presidido por Patah é justamente um símbolo do momento
delicado: apesar de contar com uma base de mais de 450 mil trabalhadores
e quase 80 anos no existência, enfrenta dificuldades para se viabilizar
financeiramente e vendeu uma sede na rua Santa Ifigênia, região central
de São Paulo, por 10,3 milhões de reais no último mês de junho. A venda
ocorreu pouco antes de o STF votar a questão do fim do imposto
obrigatório, mantendo o padrão de contribuição facultativa. “Estamos nos
adaptando à nova ordem, diante desse crime de não haver tempo de
transição e toda a demagogia de que ‘nada pode ser obrigatório’. A
política veio para cima do movimento sindical”, desabafa.
Deputado combate ‘monopólio’ e quer ‘darwinismo sindical’
Autor do projeto de lei que incluiu o item sobre a contribuição
sindical na reforma trabalhista, o deputado federal Paulo Martins
(PSC-PR) classifica como “patéticos” os argumentos dos sindicalistas.
“Isso é ridículo, que tempo de transição eles pedem? Recebem dinheiro
desde 1937, não se prepararam? Não deu tempo? O que eles querem é a
manutenção da ‘teta’. Desmamar é mais difícil do que procurar retomar a
‘teta’ para continuar mamando. Querem subterfúgios jurídicos para manter
esse regime que era um sustentáculo para aparatos do poder”.
Suplente na legislatura anterior, Martins foi eleito para um novo
mandato e prepara projetos relacionados ao tema a serem apresentados já
no início de 2019: “primeiro nós acabamos com esse absurdo de imposto
compulsório, o trabalhador tem que pagar por aquilo que acha útil, é uma
questão de liberdade. O próximo passo é dar fim à unicidade sindical.
Essa história de que quando um sindicato recebe autorização de
representar uma categoria, não podemos ter outro na mesma área. É assim
que o sindicalista vira um ‘rei’, tem o monopólio e quem está
descontente não tem opção. Quero que haja concorrência e o trabalhador
possa escolher ser representado pelo sindicato que cobrar menos e
entregar mais, ou até mesmo nem ter sindicato. Isso é liberdade, é o que
chamo de ‘darwinismo sindical’, os melhores sobrevivem”.
Martins diz que as medidas não visam acabar com a representação
social, mas sim aprimorá-las. “Acabando com o ‘monopólio’ de alguns,
estamos lutando pela liberdade dos próprios sindicatos, e o trabalhador
poderá contribuir voluntariamente se for bem representado. Sindicatos
são importantes quando de fato lutam por direitos coletivos, mas o
problema é quando atuam como braço de um partido. Foi assim com Getúlio
Vargas, e por isso mesmo foi criado o imposto sindical. Depois se
tornaram braço do `lulopetismo`, se focam na política e prejudicam os
trabalhadores”, avalia. “A própria CUT e o Lula defendiam o fim da
contribuição sindical no passado, entendiam que com imposto os
sindicatos se tornariam aparelhos do governo.”
Sindicatos demitem funcionários e vendem imóveis
Presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Vagner Freitas
nega qualquer contradição no discurso da entidade. “A CUT é sim contra o
imposto sindical, nasceu dizendo isso. Mas defendemos que outra forma
de contribuição seja discutida com os trabalhadores para que continuem
sendo representados. Os sindicatos não conseguem sobreviver apenas com
seus associados no Brasil, um país onde trabalhadores são pressionados e
podem ser demitidos quando se sindicalizam. Se houvesse autonomia,
talvez não precisássemos de outra fonte, mas existe perseguição”,
afirma.
Freitas relata uma queda de arrecadação de cerca de 80% da CUT no
último ano, o que culminou em um plano de demissão voluntária com a
saída de aproximadamente 45% dos funcionários em âmbito nacional. Como
medida para levantar recursos, a entidade tenta a venda da sua sede no
Brás, centro de São Paulo. No início do ano, houve negociação do terreno
com a Igreja Mundial do Poder de Deus, liderada pelo pastor Valdemiro
Santiago, que estaria disposta a pagar 40 milhões de reais pelo imóvel.
“Houve essa negociação com a igreja, o que seria bom para as duas
partes, mas não se concretizou. Hoje estamos em busca de novos
interessados, queremos mudar para um lugar mais barato, não acho que
diminuir a estrutura seja um grande problema. O mais grave é não ter
recursos para lutar pelos direitos dos trabalhadores, temos todo um
custo para contratar advogados, por exemplo. Ou para fazer um comício,
que necessita de estrutura de som e demanda gastos com gasolina. Sem
arrecadação, perdemos essa condição”, conta o sindicalista.
Organizada de forma similar à CUT e dependente de contribuições dos
próprios sindicatos, a Força Sindical viu sua arrecadação despencar de
50,9 milhões de reais, em 2017, para 4,7 milhões de reais, neste ano. O
quadro de funcionários caiu de 150, com atuação em todo o Brasil, para
16 – todos em São Paulo. Segundo o secretário-geral da organização, João
Carlos Gonçalves, o “Juruna”, a sede, localizada no bairro paulistano
da Liberdade, hoje se encontra à venda, seguindo o exemplo do resto da
classe.
“Estão criminalizando o poder do trabalhador. O sindicato atende a
todos os trabalhadores e suas conquistas beneficiam a todos. A reforma
trabalhista se propôs a fortalecer o negociado sobre o legislado, mas
quebrou as instituições que representam os trabalhadores na negociação.
No momento temos que cortar custos, demitir funcionários e até médicos
que atendem nos ambulatórios”, comenta Juruna.
Projeto propõe regulamentar a cobrança assistencial
Vinculado à Força Sindical, o deputado Bebeto Galvão (PSB-BA) é autor
de proposta que regulariza a contribuição negocial, projeto apoiado por
grande parte do movimento sindical como uma alternativa à queda de
receitas. A finalidade se assemelha ao projeto de lei descrito a Veja
pelo deputado Ronaldo Nogueira (PTB-RS), ex-ministro do Trabalho na
época da aprovação da Reforma Trabalhista.
“A reforma trabalhista não previa alteração na estrutura sindical,
mas houve pressão de um clube de parlamentares, pois os sindicatos são a
parte do movimento social brasileiro que mais realiza críticas sobre
posições políticas. Da forma que ficou, o poder econômico prevalece
sobre o equilíbrio das negociações entre patrões e empregados. Os
defensores dizem que a reforma trabalhista fortalece os sindicatos, que
podem negociar praticamente tudo: jornada de trabalho, férias, PLR… mas
como vão fazer isso tudo se a lei impõe limites para que eles se
financiem?”, questiona o deputado.
A proposta prevê que seja regularizada a “contribuição negocial”,
também denominada como “assistencial”, já estipulada por alguns
sindicatos. O valor seria aprovado anualmente, em assembleia à qual
todos os trabalhadores de uma categoria seriam convocados, podendo
variar a uma cobrança mensal de 0,1% a 1% do salário. No mesmo dia da
assembleia, trabalhadores opostos à cobrança aprovada poderiam
apresentar uma carta que os isentaria do pagamento. Os ausentes não
teriam ferramentas para impedir a taxação, de acordo com o projeto
original.
“A contribuição negocial não é impositiva, o trabalhador presente na
assembleia pode se opor a pagar, e o valor é votado anualmente de acordo
com as conquistas do sindicato. Assim, damos autonomia coletiva e
permitimos que os sindicatos se sustentem financeiramente. Deve haver
ampla publicização para que os trabalhadores estejam cientes e
compareçam às votações, afinal as conquistas da categoria não são apenas
dos sindicalizados. Quem se omitir, também deve ter responsabilidades”,
pondera Galvão.
Contrário ao projeto, o deputado Paulo Martins (PSC-PR) considera a
proposta “um abuso”: “as assembleias não conseguem reunir toda a
categoria, é impossível. Com a contribuição negocial elas estabelecem
uma pena para quem não estava presente. Qualquer contribuição que você
impõe é uma pena, um sacrifício financeiro. Isso é ilegal e certamente
os tribunais superiores vão derrubar. De forma nenhuma pode haver algo
impositivo, devemos proporcionar liberdade ao trabalhador – decidir se
vai querer pagar ou não”.
Entidades buscam reverter quadro com “modernização”
Na visão de Vagner Freitas, da CUT, apenas com pressão popular
medidas em prol dos sindicatos poderão ser aprovadas no Congresso
Nacional. “Temos um Congresso altamente conservador, dominado pelos
empresários, e o próximo será assim também. Sabemos qual é o interesse
dos congressistas, que é diferente do dos trabalhadores, mas a pressão
vinda de fora pode mudar a opinião deles. A Reforma da Previdência está
aí de exemplo: eles querem votar, mas não têm coragem porque o povo é
contra. A mesma coisa vale para a questão do financiamento sindical, que
só terá eco no Congresso caso os trabalhadores entendam que é uma
questão importante para eles, já que apenas os sindicatos lutarão por
seus direitos”.
Todos os sindicalistas ouvidos pela reportagem criticam o que chamam
de “prática anti-sindical” em andamento no país. “Não podemos aceitar
que os trabalhadores desconheçam os sindicatos e o que eles fazem, mas
querem que seja assim. Muitas empresas estimulam os funcionários a
manterem distância dos sindicatos, como se fossem inimigos. Houve caso
de quem pagou ônibus para os trabalhadores irem até o sindicato assinar
carta de oposição à contribuição”, relata Ricardo Patah, da UGT.
Diante da crise financeira, as entidades têm se mobilizado para se
fortalecer. A própria UGT inicia, ainda em novembro, uma série de
reuniões regionais para debater a “reestruturação sindical”, visando
atrair novos associados. Eventos como os mutirões de emprego têm sido
utilizados para divulgação dos trabalhos sindicais e campanhas de
filiação.
Embora não abram detalhes sobre as medidas que adotarão, os
sindicatos querem buscar um trabalho conjunto de renovação para
sobreviver. “Só com as contribuições normais, não vamos conseguir
subsistir. Precisamos de outro tipo de prestação de serviços, temos que
nos modernizar. Estamos discutindo algumas modalidades que existem fora
do Brasil, mas são questões ainda iniciais e que são temas polêmicos
dentro dos próprios sindicatos. O que não podemos é depender desse
Congresso conservador e governo fascista, temos que nos solidarizar”,
indica o presidente da CUT.
Acabou a mamata dos sindicatos.
Veja
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