Manifestantes a favor e contra às comemorações alusivas ao 31 de
março de 1964, quando foi instituído o governo militar no Brasil, saíram
às ruas hoje (31) em várias cidades, incluindo Brasília, Rio de Janeiro
e São Paulo. À noite, na Esplanada dos Ministérios, um grupo favorável
às celebrações deve exibir 30 vídeos em um telão de 24 metros quadrados,
mostrando a atuação das Forças Armadas de 1964 a 1985.
As manifestações foram convocadas após o presidente Jair Bolsonaro
orientar a leitura de uma ordem do dia nas unidades militares em alusão à
data. Segundo militares, a ordem do dia foi lida na sexta-feira (29),
sem alterações de rotina.
Ontem (30) a Justiça Federal liberou as comemorações pela tomada de
poder pelos militares e a deposição do ex-presidente João Goulart, há 55
anos.
Brasília
O jornalista Felipe Porto, 58 anos, organizador do evento e ligado à
União dos Movimentos de Brasília, chama o ato de apoio à “intervenção
cívico-militar”. “Não é para comemorar excessos, que aconteceram nos
dois lados”, disse se referindo ao que nomeia como “guerra” entre as
forças do governo durante o regime militar (1964 e 1985) e movimentos
guerrilheiros nas cidades e na zona rural que “poderiam levar o país ao
comunismo e à ditadura do proletariado”.
A recepcionista de salão de beleza Rúbia Cristiana de Oliveira, 49
anos, que se considera “ativista das ruas há cinco anos”, chegou antes
dos preparativos da exibição dos vídeos e elogiou a participação dos
militares na política nacional desde a intentona comunista ao governo do
presidente Jair Bolsonaro.
“É preciso muita perspicácia, paciência, cautela, sabedoria para nos
unir nesse momento. Não interessa quem ergue o quê, sé é uma bandeira
impeachminsta (sic), intervencionista ou petista. Interessa é tirar o
povo da extrema pobreza, valorizar as nossas empresas, o nosso país, o
que produzimos”.
O estudante Luiz Felipe Carmona, 16 anos, participou de uma
manifestação contra as comemorações do 31 de março, no Eixo Rodoviário
Norte, no Plano Piloto. “A gente debate bastante”, conta ao relatar o
ambiente em sua escola, e lamentar que “também tem gente que não se
importa”. De acordo com ele, a importância de estar na manifestação é
“conhecer o passado”.
Fernanda Santana de Oliveira, doutorando em Desenvolvimento
Sustentável na Universidade de Brasília também esteve no Eixão Norte e
afirmou que o “31 de março é uma data de pesar e de reflexão para evitar
que isso aconteça novamente na nossa história”.
Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, os manifestantes se concentraram a partir das 16h
na Cinelândia, no centro. Com cartazes críticos, os manifestantes
exibiram fotografias de vítimas do regime militar e relatos de episódios
que aconteceram no período. O começo do ato foi marcado por músicas
como Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, Cálice,
Apesar de você e Vai passar, de Chico Buarque.
No carro, de som, políticos, entidades estudantis e outras lideranças
populares falaram sobre o período da história do Brasil, lembrando de
atos como o incêndio da sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), na
Praia do Flamengo, ocorrido no dia 1º de abril de 1964.
Filho do cartunista Henfil, o cronista Ivan Cosenza de Souza disse
que há uma tentativa de reescrever a história do Brasil. “É incrível que
pessoas tentem passar panos quentes nessa página horrível da história
do Brasil.”
A funcionária pública Anabela Rocha disse que o ato foi espontâneo:
“Eu acho importante deixar claro que a gente não quer que nunca mais
aconteça algo parecido”. “A gente repudia totalmente que haja qualquer
tipo de comemoração.”
São Paulo
Em São Paulo, o Ministério Público Federal e outras entidades
organizaram uma caminhada silenciosa no Parque Ibiraquera, zona sul, em
homenagem às vítimas e o reconhecimento de atos de violências
registrados durante o regime militar (1964-1985).
O ato começou às 16h na Praça da Paz, dentro do Ibirapuera, com
apresentações musicais de Vicente Barreto, Eduardo Gudin e Fabiana
Cozza. Os participantes, em sua maioria vestidos de preto, depositaram
rosas vermelhas e retratos de desaparecidos políticos.
A procuradora-geral da República e presidente da comissão sobre
mortos e desaparecidos políticos, Eugênia Augusta Gonzaga, disse que
falta conscientização sobre o que ocorreu no Brasil.
“Essas marchas silenciosas já acontecem em outros países. O Uruguai,
por exemplo, já está na 23ª edição da caminhada silenciosa em memória
das vítimas. Eu acho que o Brasil não fez a sua lição de casa.”
Parentes de vítimas regime milit, como Ernesto José de Carvalho, que
perdeu o pai Devanir José de Carvalho e a mãe Pedrina José de Carvalho,
além de dois tios. “É emocionante e significativo participar desse
evento, principalmente no momento em que a gente vive hoje”, afirmou.
“Este ano, para nós familiares e para mim é importante estar aqui hoje.”
Mariluce Moura, perdeu o marido Gildo Lacerda, e disse ter sido
torturada durante a gravidez. “A gente tem que redobrar a resistência
democrática, o clamor por Justiça, verdade e memória. Se a gente já
fazia essas movimentações no anos anteriores, faremos agora, mais do que
nunca.”
Comemorar 64 é comemorar à morte.
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