O plano da Petrobras de acelerar a venda de campos maduros terrestres
e em águas rasas pode desencadear uma série de investimentos nessas
áreas e na cadeia de fornecedores da indústria de óleo e gás natural,
avaliam especialistas e executivos ouvidos pelo Valor. A expectativa é
que o desenvolvimento desses campos, nas mãos de outras empresas de
menor porte, deverá gerar mais demandas por equipamentos e arrecadação
de impostos.
“Temos campos terrestres, campos de águas rasas e alguns campos em
águas profundas que envelheceram. Eles são pequenos em relação às
dimensões dos campos maiores de águas profundas e o pré-sal. Então nós
temos certeza que outros produtores terão condições de cuidar melhor
deles”, disse o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, em
entrevista coletiva sobre o resultado de 2018, na última semana.
A petroleira já informou a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP) a intenção de vender 70% de um total de 250
campos maduros terrestres e em águas rasas. Para o diretor da autarquia,
Décio Oddone, a medida pode provocar uma retomada nos investimentos
nessas áreas.
“Para a União, é importante que esses campos recebam investimentos o
mais rapidamente possível”, afirmou Oddone. “Não vamos modernizar a
indústria de petróleo no Brasil só trazendo as grandes empresas para
operar no pré-sal”, completou ele.
De acordo com a agência, a produção de petróleo em águas rasas no
país caiu 40%, entre 2013 e 2018, para 166 mil barris diários. A
produção terrestre, por sua vez, recuou 36%, entre 2012 e 2018, para 115
mil barris diários. Na área de exploração, o número de poços perfurados
em águas rasas caiu 90%, entre 2012 e 2017, para sete unidades,
enquanto a perfuração em terra, recuou 73% entre 2015 e 2017, para 85
poços.
Segundo Marcelo Bastos, sócio diretor da consultoria B-in Partners,
empresas menores terão melhores condições para desenvolver essas áreas,
pois operam com um padrão de custo mais baixo. “O resultado é uma maior
produção de petróleo no país, maior arrecadação de royalties e maior
demanda para a indústria de serviços”, completou ele.
Victor Galante, sócio do Tauil & Chequer Advogados, concorda com a
avaliação do consultor. “Quando você desenvolve um campo maduro, de
águas rasas, blocos onshore, você consegue movimentar toda a indústria.
Você vai ter pequenas e médias empresas contratando mão de obra,
contratando serviços de perfuração, de produção, etc”, explicou.
Na última semana, a Petrobras informou que teve início a fase
vinculante do processo de cessão da totalidade de suas participações nos
campos terrestres Lagoa Parda, Lagoa Parda Norte e Lagoa Piabanha, no
Espírito Santo.
A petroleira tenta vender os seus campos em águas rasas e terrestres
desde 2016, mas o processo de desinvestimentos desses ativos pouco
avançou desde então. Em três anos, o saldo é de 37 concessões vendidas e
66 ainda em fase de negociações. Embora cerca de um terço dos ativos
tenha sido vendido, nenhum negócio foi concluído até o momento.
Logo no primeiro ano, a venda desses ativos sofreu alguns reveses na
Justiça e dentro do próprio Tribunal de Contas da União (TCU), que
questionavam a falta de transparência da estatal em seus processos de
desinvestimentos. As contestações levaram a petroleira a adotar uma nova
sistemática de venda e, em 2017, os desinvestimentos foram retomados do
zero.
No fim do ano passado, a companhia fechou seus dois primeiros
contratos: com a Perenco, para venda dos campos de Pargo, Carapeba e
Vermelho, na costa do estado do Rio de Janeiro, por US$ 370 milhões; e
com a 3R Petroleum, para alienação de 34 campos terrestres na Bacia
Potiguar, por US$ 453,1 milhões.
A venda dos ativos em terra, contudo, se encontra suspensa desde
dezembro, por força de uma liminar concedida pela Justiça do Trabalho do
Rio Grande do Norte, sob a alegação de que o representante dos
empregados não estava presente na reunião do conselho de administração
que a aprovou o negócio.
Diante da demora para concluir as negociações, a ANP decidiu, no ano
passado, pressionar para que a estatal acelere as negociações de seus
campos terrestres e em águas rasas. O órgão regulador obrigou a
Petrobras a apresentar uma lista com os campos de produção da Rodada
Zero (cujas concessões vencem a partir de 2025) com os quais pretende
ficar e aqueles que pretende vender e devolver à União.
A agência definiu então um prazo até junho deste ano para que a
estatal conclua os processos de desinvestimentos em curso. Foi após a
decisão da autarquia que a petroleira informou a intenção de vender
cerca de 70% dessas concessões. Além disso, a estatal pediu a
postergação do prazo para concluir os negócios. A agência ainda analisa o
pleito.
Para o professor do Grupo de Economia da Energia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (GEE/UFRJ) Edmar Almeida existem alguns
entraves que dificultam a venda dos ativos em terra e águas rasas no
Brasil. No caso dos campos onshore, ele destaca que a monetização do
óleo é difícil e muito dependente da Petrobras, que concentra 98% da
capacidade de refino do país e detém a maior parte da logística de
escoamento.
O especialista também explica que há pendências regulatórias
relacionadas às atividades de descomissionamento, sobretudo das
plataformas marítimas.
“Muitos campos ainda dependem de extensão dos contratos de concessão
e, enquanto a ANP e Ibama não concluem a revisão do arcabouço
regulatório do descomissionamento, há incertezas sobre com quem ficam os
passivos de abandono das plataformas. Isso tudo dificulta as
negociações. E, enquanto a Petrobras não vender esses ativos, não há
investimentos. A produção desses campos maduros continua em declínio e a
cadeia de fornecedores continua desmobilizada”, afirmou Almeida.
Bastos, da B-In Partners, compartilha da visão do professor. Para
ele, a demora na revisão da regulação para o descomissionamento leva
empresas menores a serem mais conservadoras, subestimando os valores dos
ativos por segurança. “Isso pode tornar a aquisição inviável
economicamente, deixando de produzir um volume de óleo relevante,
reduzindo a atividade da indústria e acelerando a perda de receita para
municípios em áreas maduras.”
Ativos na pauta.
Valor
Registe-se aqui com seu e-mail
ConversãoConversão EmoticonEmoticon