O presidente Jair Bolsonaro tem um recado claro: ele
não vai mudar. A repercussão negativa, e até críticas de aliados, a
suas declarações nos últimos dias, comataques a governadores do Nordeste e contestação de dados históricos da ditadura militar ,
estão longe de fazê-lo repensar o próprio comportamento. Em conversa
exclusiva com O GLOBO, Bolsonaro confirma que continuará falando à
parcela mais conservadora da população, a primeira a aderir à sua candidatura .
— Sou assim mesmo. Não tem estratégia. Se eu estivesse preocupado com
2022 não dava essas declarações — afirmou Bolsonaro, ao ser questionado
se as falas recentes são planejadas ou apenas resultado de
impulsividade.
O presidente recebeu a reportagem em seu gabinete no terceiro andar
no Palácio do Planalto após a cerimônia em que lançou um amplo processo
de flexibilização de segurança e saúde do Trabalho. Depois de uma curta
entrevista coletiva com jornalistas, Bolsonaro estava subindo a rampa
que liga o Salão Nobre ao seu gabinete quando foi abordado pela
reportagem, que pediu uma conversa com ele. Imediatamente, sem ouvir
seus auxiliares da área de comunicação, pediu que os seguranças
liberassem a repórter para acompanhá-lo.
A conversa não pôde ser gravada. Na entrada do gabinete, os celulares
tiveram que ficar guardados. Entretanto, Bolsonaro, que havia dito que
não daria entrevista, emprestou a própria caneta Bic. Assim, suas
declarações poderiam ser anotadas corretamente.
Como o encontro não estava previsto, a conversa, que durou 15
minutos, foi interrompida três vezes pelo ajudante de ordens para
lembrá-lo que existiam outros dois compromissos à espera. Bolsonaro,
mesmo com o alerta, deixou a conversa fluir e falou de vários assuntos,
mesmo os incômodos. Afirmou que a imprensa o persegue, mas que não se
importa mais.
— O dia que não apanho da imprensa eu até estranho — disse, rindo.
Hiperativo, o presidente revelou que acorda antes das 4h e começa
disparar mensagens de WhatsApp a ministros e assessores. Alguns deles,
contou, ganharam direito a toques especiais no celular: são os quatro
ajudantes de ordens, que têm um alerta diferente para que Bolsonaro
possa atendê-los o mais rapidamente possível.
Na defesa da exploração de áreas de garimpo pelo país, disse ter
encomendado estudo ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque,
para criar “pequenas Serras Peladas” no Brasil, que poderiam ser
exploradas tanto por grupos estrangeiros como por povos indígenas.
— Mas a fiscalização seria pesada. E índio também poderia explorar — promete.
Ao ser questionado a respeito de suas declarações sobre Fernando
Santa Cruz, pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Bolsonaro voltou a se justificar, dizendo que a entidade atuou para que
não se chegasse aos “mandantes da sua tentativa de assassinato”. Ele
insiste que a quebra de sigilo telefônico de um advogado de Adélio Bispo
de Oliveira daria um novo rumo à história. A medida não foi adotada por
um recurso da Ordem. Bolsonaro disse que não recorreu da decisão da
Justiça, que classificou seu agressor como inimputável porque, ao ser
enquadrado como portador de Transtorno Delirante Persistente, Adélio
estará agora em “prisão perpétua”.
— Porque eu ganharia (o recurso). Ele responderia por tentativa de
homicídio. No máximo em dois anos estaria na rua. Agora, pela insanidade
mental, é prisão perpétua.
Bolsonaro esquivou-se novamente de comentários aprofundados sobre o
massacre no presídio de Altamira, no Pará, onde 58 detentos morreram,
dos quais 16 foram decapitados, a maior carnificina em cadeias desde a
registrada no Carandiru (SP) em 2001. Ele justificou que queria evitar “polêmica”.
— Já disse pela manhã na porta do Alvorada. Você estava lá? Pergunte
às vítimas dos facínoras. Pergunte para elas o que acham, não vou criar
polêmica — respondeu, confirmado com seus auxiliares o número total de
vítimas.
O presidente disse que está conversando com grupos estrangeiros para
transformar a Baía de Angra dos Reis, onde tem uma casa e chegou a ser
multado no passado por pesca ilegal, no que ele vem chamando de “Cancún
brasileira”. Segundo ele, empresários estão dispostos a investir
“bilhões”, que gerariam empregos na região.
— Não vou dizer (quais são esses grupos). São conglomerados de países
— afirmou, sinalizando, em seguida, que investidores de Emirados
Árabes, Japão e Israel já teriam demonstrado interesse.
O desempenho no exterior de Eduardo Bolsonaro, seu filho deputado
federal, é o assunto que mais o deixa, visivelmente, satisfeito. Para o
presidente, cabe aos senadores aprovarem Eduardo como embaixador do
Brasil nos Estados Unidos, mas ele está certo que o elogio feito ontem
pelo presidente americano, Donald Trump, o ajudará a conquistar os
votos.
— A decisão é do Senado. Acho que a declaração do Trump hoje ajuda — disse.
Bolsonaro confirmou que está em franca aproximação com o presidente
da Bolívia, Evo Morales, como visto durante a Cúpula do Mercosul, em
Santa Fé, na Argentina, há duas semanas. Disse que o mandatário
boliviano sorriu para ele, o que não tinha acontecido nem mesmo quando
esteve em sua posse em janeiro. Afirmou ainda que os dois países buscam
aproximação e que Morales demonstrou interesse em comprar um avião
KC-390 da Embraer.
Quem manda
Questionado se a mudança de Morales não demonstra um caráter
pragmático, que se adapta de acordo com as circunstâncias, Bolsonaro
defendeu o boliviano.
— Não. Como eu disse hoje, todo mundo evolui — conta Bolsonaro, que
usou Morales como exemplo para defender a sua tese contra as reservas
indígenas. — Se na Bolívia um índio pode ser presidente, por que aqui
tem que ficar confinado em uma uma área?
Nos quase 15 minutos de conversa, Bolsonaro deixou claro que quem
manda é ele. O presidente tem uma agenda hoje de manhã em Anápolis (GO).
A reportagem questionou, então, se ele pararia, como já vez em outra
ocasião, para almoçar com caminhoneiros em uma rodovia. Um assessor
disse que não, mas Bolsonaro o interrompeu:
— Não está previsto, mas, se tiver algo, eu aviso e muda na hora —
justificou, confirmando que dá trabalho à equipe que cuida de sua
proteção, subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Bolsonaro encerrou a conversa quando os participantes da próxima
reunião, incluindo o ministro Jorge Oliveira (Secretaria-Geral),
entraram no gabinete.
Secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten pediu que fosse feita uma foto da conversa.
— Não precisa. Não vou constrangê-la — disse o presidente, recebendo de volta a caneta Bic emprestada à repórter.
Bolsonaro na pauta.
O GLOBORegiste-se aqui com seu e-mail
ConversãoConversão EmoticonEmoticon