Pela primeira vez, a ciência japonesa vai fazer fazer experiências
com seres híbridos, com células humanas e de animais de outras espécies.
Até o início deste ano, era terminantemente proibido no Japão
desenvolver qualquer tipo de pesquisa com embriões de bichos que
contivessem células humanas.
Em março de 2019, o ministro da educação e ciência do país autorizou a
prática. Ainda assim, ninguém pode sair fazendo pesquisas com quimeras
(esses seres com células de mais de uma espécie) no quintal – pelo
menos, não legalmente. Pesquisas específicas precisam ser submetidas e
autorizadas pelo comitê do mesmo ministério.
A primeira aprovação governamental veio agora, para o pesquisador
Hiromitsu Nakauchi. Especialista em células-tronco, ele esperava pelo
consentimento do governo para o seu projeto há dez anos.
A pesquisa será conduzida pela Universidade de Tóquio em conjunto com
a Universidade de Stanford. O cientista pretende transplantar células
humanas em embriões de ratos e camundongos. Então, os embriões serão
inseridos no útero da mãe para se desenvolverem normalmente.
Mas esses camundongos híbridos não chegarão a ter uma vida fora do
útero. O experimento deve ser interrompido depois de 14 dias, apenas
tempo suficiente para verificar como se desenvolveram os órgãos dos
animais experimentais.
Há uma preocupação ética muito grande em estabelecer os limites de
desenvolvimento desses animais híbridos. Ainda não se sabe que efeitos
as células humanas podem ter sobre diferentes aspectos do organismo do
animal – como as células sexuais ou o cérebro. Mas, para evitar o
pânico, já avisamos que o efeito deve ser bastante pequeno. Quanto mais
inicial a pesquisa, menor a proporção de células humanas usada no
experimento – e mais provável que elas tenham quase nenhuma contribuição
na constituição final do organismo do bicho.
O grande mistério é justamente, verificar o que acontece conforme a
proporção de células humanas usadas aumenta. Mas a ciência das quimeras
ainda não atingiu esse patamar, mesmo fora do Japão. Nos Estados Unidos,
já foram criados embriões de porco e ovelha contendo células humanas.
São animais maiores e mais complexos, mas algumas preocupações seguem
sendo as mesmas – e também nesses casos os fetos híbridos não chegaram a
nascer.
Com um debate ético tão complexo, é natural que surja a questão: para
que tudo isso? O uso mais propagandeado para as quimeras do futuro é o
transplante de órgãos. Faltam órgãos humanos saudáveis que possam ser
transplantados a pessoas doentes. Há décadas, cientistas sonham em poder
cultivar órgãos humanos em outros animais – e aprender muito sobre
genética no caminho.
Muito por isso, a equipe de Nakauchi busca concentrar as células
humanas na formação de um órgão específico no corpo dos ratos. Primeiro,
são feitas alterações no embrião do animal para que ele não tenha o
gene necessário para o desenvolvimento de um órgão – o pâncreas, por
exemplo. Então, os pesquisadores injetam células-tronco humanas, que
podem originar qualquer tecido do corpo. De maneira muito simplificada, o
objetivo é que o organismo do animal use as células humanas para
produzir o órgão que ele não consegue fabricar por si só.
Esse experimento já foi feito em 2017 pela equipe de Nakauchi, mas
usando células de camundongos em embriões de rato. Por se tratarem de
espécies geneticamente próximas, o rato produziu um pâncreas feito
inteiramente de células de camundongo. Esse órgão foi então
transplantado para um camundongo diabético. E deu certo: o pâncreas
controlou os níveis de açúcar no sangue e curou o camundongo da doença.
Acontece que fazer isso com humanos é bem mais complicado. No caso do
experimento com ovelhas, o embrião resultante resistiu à intervenção. A
maior parte das células humanas foi descartada pelo organismo,
justamente por causa da distância genética entre as duas espécies. Na
fase final do experimento, os órgãos das ovelhas continham quantidades
ínfimas de células humanas, insuficientes para fazer qualquer diferença.
Foi um balde de água fria nos cientistas que sonhavam com “fábricas
animais de órgãos humanos” – mas uma contribuição essencial para a tão
complexa ciência das quimeras.
Nossa...
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