O médico e prefeito de Uruburetama, José Hilson Paiva, pratica há
décadas o crime de abuso sexual de suas pacientes, conforme denúncias de
mulheres que procuraram o ginecologista em busca de consulta. O G1 teve
acesso a 63 vídeos, filmados pelo próprio médico, com as pacientes. As
gravações mostram Hilson com a boca nos seios de mulheres sob o pretexto
de estar tirando secreção e penetrando as pacientes, alegando que
precisava “desvirar” o útero delas.
Especialistas que assistiram aos vídeos afirmam que em nenhum momento
Hilson Paiva realizou um atendimento ginecológico. “Trata-se de um
monstro”, e as imagens “demonstram claramente um estupro da paciente”,
avaliam profissionais da Associação Médica Brasileira.
O Ministério Público ouviu o relato de seis mulheres que dizem ser
vítimas de abuso do médico. O prefeito afirma que nunca fez “nada
forçado” e que as acusações são “jogada da oposição”. “Querem me
derrubar”, argumenta Hilson de Paiva.
Os vídeos não podem ser publicados porque há mulheres nuas nas
imagens e cenas de abuso sexual. Elas denunciam o prefeito desde a
década de 1980, o que não resultou em condenação até então. Em outros
casos, as mulheres relataram que tinham medo de denunciar o gestor
porque dependiam da Prefeitura de Uruburetama para ter emprego no
serviço público.
“Nunca tinha ido em consulta nenhuma. Não sabia como funcionava. Se
ele estava dizendo que era daquela maneira, eu tinha que acreditar”,
relata uma mulher que diz ter sido abusada por Hilson de Paiva e que não
quer se identificar.
O doutor Hilson, como gosta de ser chamado, tem 70 anos, atende em
hospitais públicos e também é político. Ele foi eleito prefeito de
Uruburetama em 2016 com 76% dos votos.
‘Todo mundo tem ele como boa pessoa’
Onze mulheres ouvidas pelo Fantástico afirmaram que buscaram Hilson
de Paiva pela boa reputação que ele tinha como médico na cidade. “Todo
mundo tem ele como uma pessoa boa, sem saber o que ele faz”, afirma
outra vítima.
Elas contam que eram atendidas em consultório particular na casa de José Hilson e também no Hospital Municipal da cidade.
Uma delas foi abusada quando tinha 14 anos. Atualmente maior de
idade, ela diz que nunca contou nada pra ninguém sobre o caso e que
voltava a se consultar com o doutor Hilson porque ele era o único
ginecologista de Uruburetama.
“Ele sempre trancava a porta, mandava a gente entrar e mandava a
gente tirar a roupa. Pegava no seio, ficava pegando no corpo da gente,
colocava o pênis dele na gente.”
Outra vítima estava com um nódulo no seio quando marcou uma consulta com o médico. “Fiquei nua. Eu achei estranho foi ele usar um canudo e chupar os meus seios.”
Em cinco dos 63 vídeos aos quais o G1 teve acesso, o Hilson de Paiva
aparece com a boca nos seios das pacientes. Ele fala que é um
procedimento médico para ver se há secreção. “Diminuindo, melhorou”,
argumentava o médico após o procedimento abusivo.
“O que eu vi é uma maneira muito fácil de ludibriar as pessoas. Você
não vai preparada pra lidar com uma situação dessa. A gente vai muito
preparada pra ficar curada”, relata outra paciente do médico.
‘Trata-se de um monstro’
O secretário-geral da Associação Médica Brasileira, Antônio Jorge
Salomão, assistiu aos vídeos e avaliou o conteúdo. Para ele, nenhuma das
imagens mostra, a qualquer momento, um procedimento médico. “Em nenhum
momento da humanidade existe esse procedimento. Isso é asqueroso.”
Para o vice-presidente da associação, Diogo Leite Sampaio, o caso se
trata de crime. “Ele está se aproveitando da paciente. Ele não está
examinando, procurando nenhum problema na paciente. Isso é crime.”
Das 11 mulheres localizadas pelo Fantástico que acusam o médico José Hilson, duas aparecem em três dos 63 vídeos.
Uma delas conta que procurou o doutor Hilson em 2012 porque não
conseguia engravidar. No vídeo, ela já aparece nua, no consultório
particular do médico, onde ele atende até hoje. A mulher nunca havia
feito exame ginecológico.
“Ele pegava nos seios e pediu pra fazer sexo oral com ele”, lembra a
paciente. “Fazer uma aplicação oral porque é muita secreção mesmo.
Muita, muita, muita”, argumentava o médico. “Perguntei a ele por quê.
Ele pegou e disse que não, que era o procedimento. Que era o que o
médico fazia. Que ele tinha que ver a minha sensibilidade. Eu disse pra
ele que não, que eu não queria.”
O vídeo mostra que, em seguida, o médico coloca a paciente em pé, de
costas, apoiada na maca. “Pode virar. Isso, bem devagar”, comenta Hilson
no vídeo. “Ele começou a mexer detrás de mim. Ele dizia: ‘Você tem que
me ver como médico. Você não pode me ver como um homem. Eu sou seu
médico’.”
O abuso deixou trauma na paciente. “Eu era uma pessoa que achava
graça do nada, sabe? Agora todo mundo acha estranho. Vem falar comigo e
eu estou séria. Eu não consigo mais brincar com ninguém”, lamenta.
Uma outra paciente que aparece nos vídeos gravados pelo médico foi
abusada, segunda ela, em 2017. O crime ocorreu também no consultório
particular do ginecologista e mostra o mesmo tipo de abuso: a paciente
nua, de costas, e ele dizendo que está fazendo um exame. “Isso tá muito
inflamado, mulher”, diz o médico no vídeo.
“Ele introduziu algo na minha vagina nessa hora. Ele vai levando na
lábia”, relata a vítima. Ela não denunciou o médico. Diz que, por causa
do abuso, faz tratamento psicológico e psiquiátrico. “Eu me sinto nua e
despida, como se a culpa fosse minha.”
Analisando o caso dessa paciente, representantes da Associação Médica
Brasileira avaliam que não houve atendimento profissional. “Não existe
um tratamento clínico, muito menos uma manipulação que esse senhor, que
eu nem posso chamar de médico, fez com a paciente”, argumenta Diogo
Leite Sampaio.
Os vídeos mostram o ginecologista com pelo menos 23 mulheres. Dentre
elas, 17 “claramente” foram enganadas pelo médico e sofreram abusos
sexuais, conforme avaliação dos especialistas.
“É indescritível as cenas que nós observamos. Não se trata de um
médico. Trata-se de um monstro”, avalia o secretário-geral da Associação
Médica Brasileira. “São crimes graves. Muitas das imagens demonstram
claramente um estupro da paciente, que precisam ser punidos severamente.
São imagens repugnantes. São imagens de um criminoso que não faz
medicina”, complementa Diogo Leite Sampaio.
Caso foi reportado pelo Fantástico. Para assistir a reportagem, basta clicar no link: globoplay.globo.com/v/7764502/
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