O
Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública
(ACP) buscando a anulação do Decreto 9.824/19, do Governo Federal, que
autoriza o funcionamento de salinas em áreas de preservação
permanente (APPs), no Rio Grande do Norte. A medida, aponta o MPF, se
baseou em motivo falso e desrespeita leis ambientais A ACP inclui um
pedido liminar para suspender o decreto e destaca os riscos para o
ecossistema, caso a nova regra seja mantida em vigor.
Ao todo,
estudos técnicos apontaram que aproximadamente 3 mil hectares de áreas
de preservação permanentes (sobretudo manguezais) são ocupados
irregularmente por salineiras no Rio Grande do Norte.
No início deste ano, o MPF ingressou com ações contra 18 empresas do
setor, pedindo a remoção da produção de sal das APPs para outras áreas e
a recuperação dos espaços degradados. Para minimizar os impactos
financeiros do setor, sugeriu um prazo de até oito
anos, nos quais os proprietários poderiam planejar e concretizar essa
realocação.
Em 4 de
junho, contudo, o Decreto 9.824/19 foi assinado pelo presidente da
República Jair Bolsonaro e concedeu o status de interesse social à
atividade salineira, o que possibilita que as empresas
sigam ocupando as APPs. De acordo com a ação civil pública, de autoria
do procurador da República Emanuel Ferreira, esse decreto não leva em
consideração que há alternativas técnicas.
De acordo
com a Lei nº 12.651/12, interesse social pode ser declarado em
atividades diversas “quando inexistir alternativa técnica e locacional à
atividade proposta”. No caso das salineiras potiguares,
a realocação da produção é uma possibilidade tendo em vista que apenas
10,7% da área ocupada pelas empresas se encontra em APPs, ao contrário
do que foi citado no processo administrativo que serviu de base à
assinatura do decreto. Nesse documento o pressuposto,
falso, era de que 100% das salineiras se encontravam em áreas de
preservação.
Além
disso, o 9.824/19 desrespeita o princípio do desenvolvimento sustentável
e diversos tratados de direitos humanos, pois “praticamente nenhuma
consideração séria foi efetivada em relação à proteção
ao meio ambiente, concentrando-se o processo administrativo,
unicamente, em questões econômicas”. Também ofende o art. 225 da
Constituição ao ignorar a necessidade de proteção das APPs prevista na
Lei 12.651, conforme já abordado em ações civis públicas já
ajuizadas.
A ACP foi protocolada na 10ª Vara da Justiça Federal no RN, sob o nº 0801432-95.2019.4.05.8401.
Tentativas
- Desde 2013 o MPF busca regularizar a atuação do setor salineiro no Rio
Grande do Norte, tendo instaurado diversos inquéritos civis a partir da
Operação “Ouro Branco”, deflagrada pelo Ibama. Duas audiências públicas
sobre o tema foram realizadas e várias tentativas
foram feitas para que as empresas assinassem termos de ajustamento de
conduta (TACs), sem sucesso.
Técnicos
do Ibama e do Idema/RN chegaram a ser convocados para formarem o chamado
Grupo de Trabalho do Sal, o “GT-Sal”, que elaborou o relatório no qual o
MPF baseia suas iniciativas. Após a busca
dos acordos se mostrar infrutífera, as ações foram impetradas no início
do ano (algumas das quais já resultaram em liminares determinando a
retirada de pilhas de sal das áreas de preservação).
Riscos -
A área total pertencente às indústrias salineiras no RN totaliza 41.718
ha. Desses, 30.642 são atualmente explorados, sendo 3.284,48 ha
(10,71%) em APPs. Diante das ações do MPF,
os empresários buscaram apoio político para a edição do decreto,
obtendo o que a ACP considera uma indevida “anistia aos graves danos
ambientais causados”.
As
alegações das empresas quanto à inviabilidade de se desocupar essa
parcela das propriedades ainda não foram demonstradas por quaisquer
estudos incluídos aos processos. Por outro lado, está cientificamente
comprovado que a continuidade da atividade pode resultar, além dos
impactos ambientais gerados diretamente pela ocupação ou supressão do
mangue, em diversos outros prejuízos.
Há riscos
de impermeabilização de planícies de maré; soterramento de gamboas e
braços de maré; aumento dos processos erosivos; alteração do ciclo
hidrológico regional e da qualidade da água estuarina
gerada por efluentes; diminuição da biodiversidade associada ao
manguezal; entre outros. Tudo isso pode levar à alteração dos locais de
refúgio de crustáceos, peixes e aves, “comprometendo assim, comunidades
de marisqueiras, pescadores e catadores de caranguejo”,
resultando ainda no assoreamento dos canais e em diversos problemas à
população das comunidades próximas.
“O
desenvolvimento sustentável busca a compatibilização entre as
finalidades legais admitidas ao setor econômico com a necessária
proteção ambiental às presentes e futuras gerações. É precisamente
o que busca o MPF na presente ação: com os recuos graduais efetivados
em largo prazo temporal, há a compatibilização entre os direitos em
jogo, equilibrando-se uma equação completamente desbalanceada em favor
do interesse econômico com a edição do decreto”,
resume o procurador da República.
Confira a
íntegra da ACP.
Decreto na pauta.
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