A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, segurou por mais de
120 dias investigações sobre o presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao mesmo
tempo em que articulava a recondução ao cargo de chefe do Ministério Público Federal por mais dois anos.
Somente na última terça-feira (6), Dodge desengavetou os papéis e os
mandou de volta para a primeira instância. Desde o início da semana
passada, seu nome perdeu força na disputa para seguir no posto.
Um dos casos em apuração é o de Wal do Açaí. Moradora de Angra dos Reis (RJ), Walderice Conceição atuou como funcionária fantasma na época em que o hoje presidente era deputado federal, conforme revelou a Folha.
O outro caso envolve Nathalia Queiroz, que estava ligada ao gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara ao mesmo tempo em que atuava como personal trainer, situação
também revelada pela Folha. Ela é filha de Fabrício
Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) que se tornou estopim
de investigações contra o filho do presidente.
A assessoria de imprensa da PGR (Procuradoria-Geral da República) diz
que a análise dos papéis respeitou a fila, sem dar privilégio por se
tratar de uma autoridade, e que Dodge só soube dos procedimentos dois
dias antes de mandá-los de volta para a primeira instância.
A indicação do nome do novo titular da PGR deve ser feita ainda nesta
semana por Bolsonaro. A nomeação é considerada pelo governo como uma
das mais importantes do mandato —cabe a ele conduzir eventuais ações
contra o presidente da República.
O inquérito sobre a situação de Wal do Açaí foi aberto na primeira instância pela Procuradoria Regional do Distrito Federal, em setembro do ano passado, e enviado para a PGR no início de abril deste ano.
A Folha solicitou acesso ao caso, por ter chegado à
PGR sem sigilo. Em dois pedidos diferentes, a Procuradoria descumpriu o
prazo previsto na Lei de Acesso à
Informação, de 20 dias para responder, prorrogável por mais 10. Em um
deles, a resposta demorou quase dois meses e, no outro, levou 40 dias.
A resposta dada pela PGR, fora do prazo, foi de que seria necessária a
apresentação de procuração para ter acesso aos autos, sem dar detalhes
de que procurações seriam aceitas.
A reportagem telefonou para o serviço de Atendimento ao Cidadão, que
respondeu que seria necessária procuração dos advogados das partes, mas
sem saber explicar o motivo nem dizer se o tema era sigiloso.
Os procuradores responsáveis enviaram os procedimentos a Dodge sob o
argumento de que havia apuração criminal em andamento e não seria
“recomendável” a continuidade na esfera cível por terem “idênticos
objetos” (ou seja, por se tratar do mesmo tema).
Dodge respondeu apenas na semana passada, quando seu nome já havia perdido força para
ser indicado por Bolsonaro. Ela então assinou documento dizendo não
haver justificativa para que a primeira instância declinasse tal
atribuição em relação às investigações.
Ela disse ainda ter havido uma “inversão de valores constitucionais”
pelo procurador quanto à suspensão temporária dos procedimentos cíveis.
No final, ela determinou a devolução dos autos para a Procuradoria
Regional do Distrito Federal, para continuidade das investigações.
Na primeira instância, foram realizadas algumas diligências e
colhidos alguns depoimentos, inclusive o de Walderice Conceição. Ela não
informou quais trabalhos teria feito para Bolsonaro.
A Folha revelou em janeiro de 2018 que o então
deputado usou dinheiro da Câmara para pagar o salário da assessora, que
vendia açaí na praia e prestava serviços particulares a ele em Angra dos
Reis, onde tem casa de veraneio.
A reportagem voltou ao local em 13 de agosto e
comprou com a secretária parlamentar de Bolsonaro um açaí e um cupuaçu,
em horário de expediente da Câmara. Após esta segunda visita da Folha, a secretária parlamentar foi exonerada.
Desde a primeira reportagem, publicada em 11 de janeiro do ano passado, Bolsonaro deu diferentes e conflitantes versões sobre a assessora para tentar negar a atuação dela como fantasma, todas elas não condizentes com a realidade.
A outra apuração que ficou nas mãos de Dodge durante esse tempo, sem
andamento, foi o de mais uma funcionária do gabinete dele na Câmara, Nathalia Queiroz.
Como mostrou a Folha, ela atuava como personal trainer no mesmo período em que trabalhava para Jair Bolsonaro, de dezembro de 2016 a outubro de 2018.
Ainda assim, o gabinete do então deputado atestou frequência total de
sua ex-assessora, conforme resposta obtida pela Lei de Acesso. Nesse
procedimento, que foi aberto alguns meses depois do de Wal do
Açaí, ainda não houve nenhuma diligência realizada até o momento e é
considerado embrionário.
Agora, os dois casos poderão seguir em investigação na esfera cível —que apura o cometimento de improbidade administrativa.
Procurada, a PGR afirmou que o material foi enviado na terça-feira
(6) de volta para a primeira instância e que “seguindo o rito normal de
funcionamento do setor, os procedimentos foram inicialmente
classificados considerando o grau de urgência e prioridade e após
entraram na ordem de análise, considerando a existência de outros casos
que já aguardavam análise”.
A assessoria de imprensa ainda confirmou que o caso não está sob
sigilo, mas que “a rotina da secretaria é a de não disponibilizar a
terceiros dados e informações de procedimentos que podem gerar
investigação antes da respectiva análise”.
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