O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou nesta quarta-feira (2), por 7
votos a 4, a tese que pode levar à anulação de sentenças da Operação
Lava Jato e de outros processos criminais no país.
O resultado do julgamento definiu que réus delatados devem apresentar
as alegações finais (última etapa de manifestações no processo) depois
dos réus delatores, garantindo direito à ampla defesa nas ações penais.
Com isso, processos em que réus delatores e delatados apresentaram as
alegações finais ao mesmo tempo – como os da Operação Lava Jato – podem
vir a ser anulados. Caberá aos ministros definir em que hipóteses isso
ocorrerá.
Em agosto, a Segunda Turma do STF anulou a condenação do
ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine com base nesse argumento. Foi
a primeira vez que se anulou uma sentença na Lava Jato assinada pelo
então juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro.
Um balanço divulgado pela força-tarefa da operação indicou que podem
vir a ser anuladas 32 sentenças de casos da operação, que envolvem 143
condenados.
A maioria dos ministros (6 votos a 5) também decidiu anular a
sentença do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira na
Operação Lava Jato, caso específico que serviu de base para a decisão
sobre a tese.
A decisão tomada no julgamento vale apenas para Ferreira, mas cria
uma jurisprudência, uma interpretação sobre o assunto pelo STF.
O entendimento não terá aplicação obrigatória pelos demais tribunais,
mas deve servir de orientação para decisões de juízes, criando uma
jurisprudência.
Por esse motivo, o STF deve definir sob quais condições essa tese já poderia ser seguida pelas demais instâncias.
Nesta quarta, a sessão teve início com votos sobre a tese dos
ministros Marco Aurélio Mello e o presidente do STF, Dias Toffoli. Os
demais ministros votaram na sessão de quinta-feira (26) da semana
passada.
Ministros que votaram nesta quarta
Marco Aurélio Mello
O ministro Marco Aurélio Mello votou contra a apresentação de
alegações finais em momentos diferentes por réus delatados e delatores. O
ministro negou anular a sentença do ex-gerente da Petrobras.
“O Supremo não legisla. Entender que o delatado deve falar depois do
delator é esquecer que ambos têm condição única no processo, ou seja, de
réus, estabelecendo-se ordem discrepante da legislação de regência”,
disse.
Marco Aurélio defendeu ainda que a função colaborativa do corréu, ou
seja, de delator, “não viabiliza a distinção de prazo”. “O que é a
delação premiada? Simples depoimento prestado à autoridade”, afirmou.
O ministro ainda citou a Operação Lava Jato, afirmando que a mudança de entendimento “gera descrédito”.
“A guinada não inspira confiança. Ao contrário, gera descrédito.
Sendo a história impiedosa, passa a transparecer a ideia de um movimento
para dar o dito pelo não dito em termos de responsabilidade penal, com o
famoso jeitinho brasileiro, e o que é pior, com o benefício não dos
menos afortunados, mas dos chamados tubarões da República. Guarda-se um
preço por se viver num estado de direito e esse preço módico é o
respeito”, afirmou.
Dias Toffoli
O ministro Dias Toffoli, último a votar, acompanhou a divergência do
ministro Alexandre de Moraes, a favor da tese que pode anular as
condenações e de anular a sentença do ex-gerente da Petrobras.
Segundo o ministro, as alegações finais são o “verdadeiro momento culminante da instrução processual”.
No começo do voto, Toffoli ainda contestou a fala do ministro Marco
Aurélio Mello. “Se existe combate à corrupção neste país, é graças ao
Supremo que, junto com Congresso e chefes do Executivo, elaboraram
pactos republicanos”, disse.
Segundo ele, “é falácia dizer o contrário. Se não fosse este Supremo
Tribunal Federal, não haveria combate à corrupção no Brasil”.
Ministros que votaram na última quinta
Edson Fachin (relator)
Fachin votou contra a anulação da sentença de Ferreira, entendendo
que a defesa teve acesso a todos os dados necessários do processo
durante a fase de interrogatórios e colheita de provas.
Em seu voto, o relator disse que não há na lei brasileira norma ou
regra expressa que sustente a tese de que deve haver prazo diferente
para as alegações finais de réus delatores e delatados.
Para o relator, não há qualquer prejuízo se réu delator e o delatado
se manifestarem simultaneamente. Fachin defendeu que a colaboração
premiada representa uma “das possíveis formas do exercício da ampla
defesa”.
Fachin argumentou que, caso a apresentação das alegações fosse
sucessiva, também exigiria a análise prévia de cada uma pelo juiz. “Não
se verifica a nulidade arguida pela defesa”, disse.
Ainda segundo Fachin, a defesa do ex-gerente sequer argumentou que a
ordem das alegações finais teria causado prejuízo “efetivo, concreto e
específico”.
Alexandre de Moraes
O ministro Alexandre de Moraes votou pela anulação da sentença,
argumentando que o direito do réu de falar por último está contido no
exercício pleno da ampla defesa, e esse princípio também se aplica a
réus delatores e delatados. “Não são meras firulas jurídicas.”
Moraes considerou que o réu delator tem interesse “totalmente oposto”
do réu delatado, em razão de ter fechado acordo de delação premiada com
o Ministério Público. Como a pena do delator já está estabelecida, a
ele caberia apenas acusar.
“O interesse é demonstrar que suas informações [do delator] foram
imprescindíveis para obtenção de provas e condenação. Até porque, se de
nada prestar a delação, o delator não terá as vantagens que foram
prometidas”, completou.
“Nenhum culpado, nenhum corrupto, nenhum criminoso deixará de ser
condenado porque o estado deixou de observar o devido processo legal.
Não há relação entre impunidade e o respeito aos princípios da ampla
defesa, do contraditório”, concluiu.
Luís Roberto Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso votou pela manutenção da sentença. Em
seu voto, afirmou que as alegações finais não são uma inovação no
direito penal e, por isso, não devem servir como motivo para anular
sentenças.
“Ninguém é surpreendido por nada que se traga em alegações finais. As
alegações finais se limitam a interpretar, analisar e comentar as
provas já produzidas”, disse.
Barroso acrescentou que, no caso específico, o réu teve novo prazo
para apresentar alegações finais complementares, mas não quis
aproveitá-lo. Além disso, afirmou que a defesa não trouxe nenhum
argumento que comprove prejuízo sofrido. “O que o colaborador disse que
não se sabia?”
Relembrando vários casos de corrupção, Barroso defendeu ainda que o
caso julgado não é isolado. “Produz efeito sistêmico na legislação que
ajudou o Brasil a romper o paradigma que vigorava em relação a corrupção
e criminalidade de colarinho branco”, disse. “Agora chega-se a esse
ponto, com o risco de se anular todo o esforço que se fez até aqui.”
Luiz Fux
O ministro Luiz Fux foi o terceiro a votar contra momentos diferentes
para réus delatores e delatados apresentarem alegações finais e para
manter válida a sentença do ex-gerente.
“É claro que o delator e delatado, ambos, são réus. E corréu não pode
assumir posição de assistência de acusação. Delator e delatado se
defendem em face do Ministério Público”, defendeu.
O ministro disse também que “as alegações finais não representam meio
de prova”. “Ao chegar nessa parte, os réus já tiveram acesso a todas as
provas”, argumentou. Fux afirmou ainda que o contraditório e ampla
defesa se referem a fatos que podem surpreender.
Ao final, o ministro ponderou a necessidade de uma modulação, ou
seja, de reflexão sobre restringir os efeitos de um futuro entendimento
sobre o assunto.
“Entendo que juízes devem ter em mente as consequências do resultado
judicial. Nesse sentido, tenho absoluta certeza que vamos debater uma
modulação da decisão para que ela não seja capaz de pôr por terra
operação que colocou o país num padrão ético e moral.”
Rosa Weber
A ministra Rosa Weber, quarta a votar, deu o segundo voto pela
anulação da sentença do ex-gerente da Petrobras e favorável à tese que
pode anular outras condenações. Para a ministra, é preciso dar
tratamento específico para “igualar os desiguais”.
“A interpretação da legislação há que se fazer forte nos princípios do contraditório e da ampla defesa”, defendeu a ministra.
Segundo Rosa Weber, o conteúdo da manifestação do réu delator deve
ser levado previamente a conhecimento do réu delatado. “O prazo há de
ser sucessivo”, afirmou.
“O prejuízo ao paciente se presume, o prejuízo emerge do
descumprimento do devido processo legal”, completou Rosa Weber,
argumentando que a ordem das alegações, em si, já prejudica o réu
delatado.
Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia votou a favor da tese que pode afetar outras
condenações da Lava Jato. Porém, ela fez a ressalva de que a defesa
precisa comprovar que os réus delatados sofreram prejuízo sofrido.
Com esse argumento, a ministra votou pela manutenção da sentença
específica do ex-gerente da Petrobras, pois não ficou comprovado que
houve prejuízo da defesa.
Segundo a ministra, embora não haja previsão na lei sobre a ordem das alegações finais, é preciso fazer uma interpretação.
“O acordo de colaboração premiada é uma espécie de negócio jurídico
celebrada com o Ministério Público e a Polícia Federal. A partir dessa
sistemática, o réu, quando colaborador, tem interesse na efetividade de
suas colaborações”, afirmou.
Ricardo Lewandowski
O ministro Ricardo Lewandowski votou pela anulação da sentença e
favorável à tese de que réus delatores devem apresentar alegações finais
antes de réus delatados.
“O contraditório é um dos valores mais caros da civilização
ocidental”, afirmou. O ministro afirmou que não assusta o risco de
vários processos terem que voltar à “estaca zero”.
“Houve, sim, gravíssimo prejuízo nesse caso porque o juiz de primeiro
grau negou-lhe o direito de os delatados falarem por último”,
argumentou.
Segundo o ministro, a legislação processual é anterior ao instituto da delação premiada.
“O que está em jogo é um dos valores fundantes do estado democrático
de direito, exatamente o direito ao contraditório e a ampla defesa. Sem
estes valores, não existe estado democrático de direito”, afirmou
Lewandowski.
Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto do ministro Alexandre de
Moraes, pela anulação da sentença e favorável à tese de alegações finais
de réus delatores e delatados em momentos diferentes.
“Não se pode combater a corrupção cometendo crimes”, afirmou.
Mendes argumentou que não há nenhuma dúvida sobre o prejuízo sofrido pela defesa em razão da ordem das alegações finais.
“Nenhuma dúvida de prejuízo. A não ser por um cinismo de pedra nós podemos dizer que não há prejuízo aqui”, afirmou o ministro.
“Ele [réu delatado] foi condenado e pediu em todas as instâncias
[para falar por último e não o obteve]”, argumentou Mendes, acompanhando
o voto de Moraes.
Celso de Mello
O ministro Celso de Mello formou maioria a favor da tese de que
alegações finais de réus delatados devem ser apresentadas depois das dos
réus delatores.
Celso de Mello também concedeu o pedido do ex-gerente da Petrobras para anular sua sentença na Lava Jato.
“Entendo que a prerrogativa do réu delatado traduz solução mais compatível do direito de defesa”, afirmou o ministro.
“Nos casos em que há réus colaboradores e delatados, não havendo
previsão no Código de Processo Penal, a lacuna deve ser suprida pelo
princípio da ampla defesa”, afirmou o decano (mais antigo ministro) da
Corte.
Segundo ele, “é inegável que o acusado tem o direito de conhecer a síntese da acusação contra ele”.
STF na pauta...
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