Tudo começou com as taxas de segurança. Depois, vieram os sinais
piratas de TV por assinatura, o transporte ilegal de passageiros em vans
e o monopólio no comércio de botijões de gás. Agora, as milícias partem
para uma nova fonte de lucro: os “gatos” de luz. Em Belford Roxo, por
exemplo, a Light descobriu que paramilitares instalaram uma rede de
energia em um condomínio construído de forma irregular, cujos imóveis
foram colocados à venda por R$ 120 mil. Tamanho desafio às leis é apenas
um dos casos que demonstram como, no crime organizado do Estado do Rio,
a busca por mais dinheiro nunca para.
Denúncias de empresas e moradores, também relatadas pelo Ministério
Público (MP-RJ), apontam que milicianos vêm praticando furtos de energia
sobretudo na Baixada Fluminense e na Zona Oeste. A “taxa de consumo” é
incluída no aluguel de seus empreendimentos imobiliários ou mesmo
imposta a toda uma região. A Light, que distribui eletricidade na
capital, na Baixada e no Vale do Paraíba, calcula que deixa de arrecadar
R$ 800 milhões por ano em áreas nas quais a violência, seja da milícia
ou do tráfico, a impede de entrar. Nessas regiões, 73% da energia
distribuída é furtada, contra um índice de aproximadamente 10% nas
demais áreas (na média geral, o desvio chega a 17%).
Nas áreas dominadas por traficantes, diz Dalmer de Souza, diretor
comercial da empresa, eventualmente é possível obter “autorização” para
realizar determinados serviços, inclusive cortar “gatos”, dependendo da
comunidade. Com os milicianos, frisa ele, não há conversa:
— Com milicianos não se consegue acordo. Aquilo ali ( os furtos de
energia ) é lucro certo para eles. Nessas áreas, só se vende uma marca
de cerveja ou de gás. É tudo loteado, e o criminoso recebe uma
mensalidade por isso. Em comunidades em que a energia não é o negócio
dos milicianos, até conseguimos ir. Em outras, não. Em Curicica, por
exemplo, nós não entramos ou, quando vamos, eles marcam ( com pintura
nos postes ) onde não podemos mexer.
Dalmer lembra que na Favela Eternit, em Guadalupe, sob a tutela de
uma milícia, o presidente de uma associação de moradores chegou a ser
preso, acusado de receber R$ 30 mensais por cada “gato” de energia. No
condomínio irregular de Belford Roxo, ele relata que paramilitares
construíram dezenas de casas, e as ligações clandestinas de luz foram
feitas com cabos roubados da própria Light.
— Não importa o consumo, o valor da conta de luz é fixo, R$ 50 —
afirmou na semana passada um homem que atendeu no número de telefone
anunciado numa placa de apartamento para alugar.
Nossa.
O Globo
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