Até novembro, o centro de convenções do Salvador Trade Center, um
complexo empresarial da capital baiana, recebia pouco mais de 100
pessoas às terças-feiras à noite. Lá, havia palestras dos líderes da DD
Corporation (antiga Dreams Digger), empresa que em seu antigo site
afirmava vender cursos sobre o mercado financeiro.
Nessas reuniões, o fundador do negócio, Leonardo Araújo, e seus
colaboradores deixavam de lado a venda dos supostos ensinamentos sobre
finanças e convenciam as pessoas a investir em bitcoins. A promessa era
de lucro médio de 11% ao mês, segundo denúncia feita ao Ministério
Público do Estado da Bahia.
Desde o final do ano, a DD Corporation não paga os investidores. Em
janeiro, o MP ajuizou uma ação civil pública contra Araújo e a empresa. O
órgão pede a suspensão do negócio, com o argumento de que
“comprovadamente é insustentável, pois concede aos consumidores
expectativas irreais de ganhos fáceis” e “assegura ganhos fraudulentos e
inalcançáveis, gerando falsas expectativas e ocultando os riscos do
empreendimento ilícito”.
Não há estimativa de vítimas, mas o valor da causa é de R$ 5 milhões.
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) também investiga a DD, que
nunca teve autorização da autarquia para ofertar contratos de
investimento coletivo.
A reportagem não localizou nenhum advogado ou representante da empresa.
Como a empresa prometia lucros altos?
A empresa foi fundada por Araújo em janeiro de 2018. Os rendimentos
altos, de acordo com os autos do processo aberto pelo MP, eram
supostamente obtidos por meio de arbitragem, que é a compra e venda de
criptomoedas em diferentes corretoras com o objetivo de fazer lucro.
Além de fazer investimentos, os clientes tinham que pagar uma taxa de
adesão de US$ 10 (R$ 44,65) ao ano. A empresa também oferecia uma
quantidade excessiva de bônus e gratificações por meio de marketing de
rede, com comissões que poderiam chegar a 10%.
Essa prática de prometer uma “abundância de remunerações”, segundo a
ação do MP, “geralmente torna o esquema insustentável em longo prazo,
similar às pirâmides financeiras”.
Dono culpa empresa de tecnologia por quebra
No final do ano passado, Araújo disse que a empresa passaria por uma
auditoria e retirou o site do ar. Depois, ele afirmou que a DD quebrou.
“Não temos mais possibilidade financeira alguma, caixa algum, para poder
devolver imediatamente todo aquele capital que você colocou no nosso
negócio”, falou, em um vídeo publicado no YouTube.
De acordo com o empresário, a empresa não teria mais capital por
causa de supostos problemas na plataforma do negócio, que foi
desenvolvida pela Graff Tecnologia, uma empresa com sede em Curitiba
(PR).
“Eu errei sim, mas em acreditar e terceirizar nosso sistema de
multinível. Errei em apostar a vida de diversas famílias na empresa
Graff, mas eles erraram muito mais em falhar conosco”, disse o
empresário. Segundo ele, a suposta falha permitiu que saques,
rendimentos e depósitos pudessem ser duplicados e até triplicados.
Terceirizada nega problemas
Em nota, a Graff informou que a acusação de Araújo mancha a “índole,
imagem e trabalho sério” da empresa e “tem por objetivo apenas projetar
sobre a Graff todo e qualquer tipo de culpa” da DD Corporation. A
empresa disse também que ações judiciais cabíveis estão sendo tomadas no
âmbito cível e criminal.
A Graff informou ainda que tem provas que mostram o real motivo da
saída da DD Corporation do mercado, mas não pode enviar para terceiros
“sem uma autorização judicial para a quebra deste sigilo contratual”.
Meu dinheiro vem da roça, diz um dos investidores
O advogado Victor Silva Menezes, 29, conheceu a DD Corporation no
início do ano passado por intermédio de um amigo. “No início não
investi, pois sabia que havia um processo aberto na CVM, mas esse meu
amigo me enviou um comprovante dizendo que a investigação havia sido
finalizada, então resolvi colocar R$ 2.200”, disse ao UOL.
Menezes nunca conseguiu reaver o dinheiro. Assim como ele, outros
investidores também perderam recursos, conforme mostram os quase 200
relatos feitos na plataforma Reclame Aqui contra a empresa.
“Confiei no Leonardo Araújo, pois em seus vídeos parecia ser algo
muito correto e seguro. Resolvi investir mais de R$ 50 mil e agora nem
se quer resposta da auditoria recebi. Meu dinheiro é suado e vem da roça
e da agricultura. Trabalho dia a dia no sol quente e sem conforto. Você
tem ideia de o que é isso?”, disse uma das vítimas.
MP diz que associação deu selo à empresa
A ação do MP levanta suspeitas sobre a Abranetwork, uma associação de
empresas de marketing multinível, que teria dado selo de garantia para a
empresa.
Segundo o MP, isso ajudou a “propagar graves mentiras que impactam
indiretamente na falsa legitimidade criada em favor da parte ré”.
No site da Abranetwork, além da empresa de Araújo, há nomes de outras
companhias que supostamente trabalhavam com criptomoedas e estão com
problemas na Justiça, como a 18k Ronaldinho e a Binary Bit. Essas duas
últimas, segundo o site da associação, tiveram as “adesões suspensas”
depois dos problemas enfrentados.
Associação nega irregularidades
Em nota, a associação informou que “não concedeu qualquer selo de
qualidade a nenhuma empresa até o momento” e que a DD era apenas filiada
à Abranetwork. Informou ainda que MP da Bahia, por não ter o
certificado em mãos, teria feito uma afirmação equivocada.
A Abranetwork disse ainda que não é órgão público e não tem
atribuições legais nem poder fiscal. Informou ainda que ajuda a combater
pirâmides e mantém uma lista com os nomes das existentes no Brasil. A
própria associação, no entanto, já foi denunciada para a CVM justamente
por supostamente recomendar empresas fraudulentas.
Não invista em promessas de lucros altos e fixos
O especialista Fabrizio Gueratto, dono de um canal sobre educação
financeira no YouTube, disse que a pessoa que quer investir em bitcoins
deve fugir de qualquer negócio que prometa lucros fixos, como é o caso
da DD. “É matematicamente impossível garantir rendimento em um mercado
de ganhos variáveis”.
Gueratto ainda que a melhor forma de investir no segmento é estudar
bastante o mercado e entender os riscos, que são altos. Além disso, é
preciso buscar grandes corretoras de criptomoedas e, depois de fazer
qualquer tipo de compra de criptoativos, o ideal é guardá-los em
carteiras digitais próprias (wallets).
Não existe milagre seu moço.
UOL
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