Batizada de Alquimia, a operação cumpriu três mandados de busca e
apreensão em Aroeiras e em Patos, e apurou um prejuízo de R$ 48,3 mil na
impressão de cartilhas com orientações de saúde à população.
Desde então, já são pelo menos 18 operações — uma a cada 3 dias, em
média. Só na semana passada, foram deflagradas cinco operações em todo o
país.
As ações já atingem governos de sete unidades da federação: Amapá,
Distrito Federal, Pará , Rio de Janeiro , Rio Grande do Sul, Rondônia e
Santa Catarina. Nos casos do Rio e do Pará, as apurações atingem os
governadores locais — que negam irregularidades —, e foram autorizadas
pelo Superior Tribunal de Justiça ( STJ ).
Policiais também foram às ruas para apurar irregularidades em várias
prefeituras, incluindo as capitais Fortaleza (CE), Recife (PE), Rio
Branco (AC) e São Luís (MA).
Ao todo, essas operações já cumpriram 230 mandados de busca e
apreensão, e ao menos 32 pessoas suspeitas de envolvimento foram
detidas.
Os contratos e compras investigadas somam cerca de R$ 1,07 bilhão — o
montante que foi efetivamente desviado ou superfaturado, no entanto,
ainda está sendo investigado pelas autoridades.
As informações foram levantadas pela reportagem da BBC News Brasil
com base em informações da Controladoria-Geral da União (CGU) e do
Ministério Público Federal ( MPF ).
Só a CGU participou de 12 operações do tipo — a maioria em parceria com o MPF e a Polícia Federal.
As irregularidades encontradas também variam muito.
Há casos de sobrepreço em itens simples, como máscaras descartáveis —
caso das operações Assepsia, em Rio Branco; e Cobiça Fatal, em São Luís
(MA). Mas também há investigações sobre contratos milionários de compra
de respiradores e montagem de hospitais de campanha, como nas apurações
deflagradas no Rio de Janeiro e no Distrito Federal.
Além disso, a CGU também participou de quatro operações que tiveram
como alvo pessoas que tentaram receber de forma indevida o Auxílio
Emergencial de R$ 600, criado para combater os efeitos econômicos da
pandemia.
Segundo os próprios dirigentes da CGU, a avalanche de investigações
era "previsível" e repete o padrão de outros momentos nos quais grande
quantidade de dinheiro federal foi enviada a Estados e municípios. Foi o
caso das enchentes na região serrana do Rio em 2011, e do rompimento de
barragens de rejeitos nas cidades mineiras de Mariana (2015) e
Brumadinho (2019).
Para o advogado e ex-ministro da CGU Jorge Hage, o volume de
investigações mostra que o governo "perdeu a mão" na hora de
flexibilizar os controles financeiros durante a pandemia — por mais que a
situação exija agilidade nas compras públicas, controles importantes
acabaram suprimidos por medidas provisórias editadas pelo governo
federal, avalia ele.
Politização das investigações?
Não é só por causa do montante de dinheiro desviado que as
investigações chamam a atenção. Adversários do presidente da República,
Jair Bolsonaro (sem partido), dizem que as apurações estão sendo usadas
para punir governadores que fazem oposição ao governo federal.
As suspeitas aumentaram depois que a deputada federal Carla Zambelli
(PSL-SP) "antecipou" em entrevistas as operações contra os governadores
do Rio, Wilson Witzel (PSC), e do Pará, Helder Barbalho (MDB). A
primeira "previsão" de Zambelli foi no fim de maio, em entrevista à
Rádio Gaúcha — ela mencionou a possibilidade de uma investigação contra
Witzel , que se concretizou no dia seguinte. Zambelli é hoje uma das
principais aliadas de Bolsonaro no Congresso Nacional .
O próprio termo "Covidão" foi cunhado por ela, na entrevista do fim
de maio. O neologismo é inspirado em escândalos de corrupção ocorridos
nos governos do PT, como o Mensalão e o Petrolão.
Na semana passada, Zambelli também "antecipou", em entrevista à CNN
Brasil, uma operação contra o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).
O político paraense vem fazendo críticas ao presidente da República
desde o começo da pandemia.
Na mesma quarta-feira (11) em que a operação contra o paraense foi às
ruas, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decidiu —
por 69 votos a zero — abrir um processo de impeachment contra Wilson
Witzel .
O procedimento é motivado por supostas irregularidades na resposta do
governo carioca ao coronavírus. Desde o começo de maio, já foram três
operações para investigar irregularidades na compra de respiradores e na
montagem de hospitais de campanha no Estado.
Os "acertos" de Zambelli pegaram mal no mundo político.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse
que ou as informações vazaram, ou Zambelli tinha "bola de cristal".
"Acho que é natural que uma operação que envolva um governador o
Presidente da República receba a informação não do conteúdo, mas do que
pode acontecer. Certamente entre o Diretor da PF, o ministro, o
Presidente, alguém vazou a informação para deputada", disse Maia. "Claro
que não é o correto", acrescentou ele.
Já o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse que Carla
Zambelli agia como "mãe Dináh" e tratava a Polícia Federal como "polícia
privada". "Zambelli cumpre papel de 'Mãe Dináh'. Trata a PF como
polícia privada. Ela não tem cargo nem mandado na PF, muito menos para
ser porta voz ou antecipar atos", disse ele na última quarta (10),
depois da deputada dizer que também ele, Doria, poderia ser alvo de
operações.
Zambelli, hoje uma das principais aliadas de Bolsonaro no Congresso,
nega ter tido acesso antecipado a detalhes das investigações.
"Minha fonte de informação ou 'bola de cristal' é a mesma citada pelo
Ministro (André Mendonça, da Justiça e Segurança Pública): a imprensa.
Reitero minha disponibilidade em entregar meu celular e abrir meu
sigilo, pois não há vazamento algum", disse Zambelli no Twitter, na
última quarta (10).
Número de investigações 'é expressivo'
Atual secretário adjunto de combate à corrupção da CGU, Roberto César
de Oliveira Viégas diz que há um aumento expressivo no número de
investigações de corrupção em Estados e municípios. E que esse aumento
era previsível.
"A gente já sabia que isso poderia acontecer, e começamos a monitorar
a essas descentralizações (repasses de recursos). Qual o foco?
Verificar se essas empresas que estão sendo contratadas (...) se elas de
fato têm capacidade técnica e operacional; se elas de fato existem; se
estão constituídas em nomes de laranjas; se já foram envolvidas em
outras operações; se foram recém-criadas. Tem um catatau de informações
(a serem checadas)", explica ele.
Viégas diz que muitos dos alarmes de irregularidades chegam por meio da plataforma Fala.br , uma ferramenta do governo.
"Quando você tem uma quantidade grande de recursos sendo
descentralizados, num momento em que há fragilidades (nos controles),
com contratações diretas, em ambiente de calamidades públicas…
Nós já
tivemos experiências desse tipo, como quando tivemos aquelas enchentes
na região serrana do Estado do Rio (em 2011), e também em Minas", diz
ele.
"Quando os recursos vão em grande monta (...), o que a gente percebe é
que não necessariamente eles vão ser usados corretamente", diz.
"Podemos afirmar que há um maior risco de não aplicação correta dos
recursos", diz ele.
Governo 'errou a mão' ao flexibilizar, diz ex-CGU
Advogado e ex-ministro da CGU, Jorge Hage avalia que o governo pode
ter "errado a mão" nas medidas provisórias que relaxaram controles
financeiros durante a epidemia. Ele se refere às MPs 926 (março), 928
(março), 951 (abril) e 961 (maio).
"Vivemos uma situação de risco muito elevado de corrupção, exatamente
por conta das várias medidas que o governo tomou flexibilizando compras
e os gastos relativos à pandemia. É claro que a administração pública
tem de agir de forma mais ágil, menos formal, isso é perfeitamente
compreensível. Agora, tem uma questão de grau aí. Até que ponto você
pode flexibilizar sem correr risco demasiado?", questiona Hage.
"E o que a experiência têm mostrado (...) é que foi ultrapassado esse
grau de flexibilização. O volume de denúncias, de escândalos em dois,
três meses (de pandemia), e a quantidade de operações mostra isso. É um
volume impressionante, em tão pouco tempo", diz ele.
Segundo Hage, as principais modificações introduzidas pelas MPs foram
a dispensa de licitação para bens e serviços necessários ao
enfrentamento à pandemia; a permissão para contratar empresas declaradas
inidôneas (e que normalmente são proibidas de negociar com o governo); e
a permissão de comprar por preço superior ao estimado, entre outras.
O que dizem os governadores investigados
Os dois governadores que foram alvo das investigações negam qualquer envolvimento com irregularidades.
Na manhã do dia 26 de maio, a Polícia Federal cumpriu mandato de
busca e apreensão no Palácio das Laranjeiras, residência oficial do
governador do Rio.
"Não há absolutamente nenhuma participação ou autoria minha em nenhum
tipo de irregularidade nas questões que envolvem as denúncias
apresentadas pelo Ministério Público Federal. Estranha-me e indigna-me
sobremaneira o fato absolutamente claro de que deputados bolsonaristas
tenham anunciado em redes sociais nos últimos dias uma operação da
Polícia Federal direcionada a mim, o que demonstra limpidamente que
houve vazamento, com a construção de uma narrativa que jamais se
confirmará", disse Witzel em nota.
"A interferência anunciada pelo presidente da República está
devidamente oficializada. Estou à disposição da Justiça, meus sigilos
abertos e estou tranquilo sobre o desdobramento dos fatos. Sigo em
alinhamento com a Justiça para que se apure rapidamente os fatos. Não
abandonarei meus princípios e muito menos o Estado do Rio de Janeiro",
continua ele.
Na quarta-feira (10/6), a Polícia Federal realizou buscas, entre
outros endereços em Belém (PA), na casa de Helder Barbalho, como parte
de apuração sobre suposta fraude na compra de respiradores pelo governo
estadual.
Barbalho, disse que atuou desde o começo da pandemia para proteger a população do seu Estado.
"No dia 16 de março iniciamos o processo de isolamento social,
seguindo orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do
Ministério da Saúde para buscar proteger a nossa população. Em paralelo a
isso, o Governo do Estado não mediu esforços para estruturar a rede de
saúde pública do Pará, no sentido de atender a nossa população", disse
ele, numa entrevista na quarta-feira (10), quando a operação foi
deflagrada.
"Quero demonstrar minha absoluta indignação com o que ocorreu,
fazendo no Estado do Pará vítimas e lesados por aqueles que pensaram em
aproveitar uma pandemia, o sofrimento de pessoas, acreditando que seria
possível oferecer um produto e entregar outro, e ficar ilesos; que a
sociedade paraense e o Governo do Pará aceitariam e não reagiriam",
disse ele, referindo-se ao fato de que 152 respiradores comprados pelo
governo apresentaram falhas e não puderam ser usados no atendimento aos
pacientes.

Covidão na pauta.
BBC News
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