Em entrevista exclusiva à CNN nesta sexta-feira (3), o procurador da
República Deltan Dallagnol falou sobre a atual situação da força-tarefa
da Lava Jato em Curitiba, da qual ele é coordenador.
Para Deltan, o trabalho realizado hoje é o mesmo dos últimos anos,
mas que “passou a interessar ao governo e aos seus aliados” enfraquecer a
operação de olho nas eleições gerais de 2022, depois que o ex-juiz
Sergio Moro deixou o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“Eu não vejo uma mudança do nosso trabalho nos últimos seis anos. Com
o desembarque do ex-ministro Sergio Moro da parte da Justiça, passou a
interessar ao governo e aos seus aliados a desconstrução do ex-ministro
Sergio Moro e da Lava Jato, de que ele é símbolo, peo receio de que ele
venha eventualmente a concorrer em 2022”, afirmou o procurador.
A fala acontece após um acirramento dos conflitos entre a operação e a
atual gestão da Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada por
Augusto Aras, que foi indicado para o cargo por Bolsonaro em 2019.
Deltan evitou dizer diretamente se considera que Aras e a
subprocuradora-geral Lindôra Araújo, denunciada à Corregedoria do
Ministério Público após uma visita à Curitiba, se encaixam nestes
aliados.
“Eu quero acreditar que o Ministério Público é um órgão independente e
continuará a se comportar de modo independente e que eventuais mudanças
na conjuntura política não deverão influenciar o apoio institucional às
forças-tarefas contra a corrupção”, disse, questionado sobre a postura
de Lindôra a respeito da operação.
Sobre a visita da subprocuradora-geral, Deltan deu a versão da Lava
Jato. Segundo ele, Lindôra Araújo pediu acesso a toda a base de dados da
operação, o que incluiria informações fiscais e bancárias de
investigados. Para o coordenador da força-tarefa, o compartilhamento
deve tratar de casos específicos, lastreados em investigações judiciais.
“[Esses dados] Podem ser usados para chantagem e perseguição
política. É material para dossiês inesgotáveis”, disse. “Não se explicou
o objeto, o que se queria buscar e qual era a decisão que baseava
isso”.
Em nota, a PGR disse que a visita feita pela subprocuradora foi
agendada e faz parte do intercâmbio de informações entre a entidade e as
forças-tarefas nos estados. O órgão negou que houve inspeção, e sim uma
“visita de trabalho que visava a obtenção de informações globais sobre o
atual estágio das investigações e o acervo da força-tarefa, para
solucionar eventuais passivos”.
Ainda sobre o conflito com Aras, Deltan foi questionado a respeito de
uma eventual delação premiada de Rodrigo Tacla Durán, ex-advogado da
empreiteira Odebrecht. O procurador confirmou a divergência a esse
respeito, antecipada pelo âncora da CNN Caio Junqueira, e disse que a
Lava Jato recomendou a Aras não prosseguir com as negociações com Tacla
Durán porque ele teria mentido diversas vezes para os investigadores da
operação.
“O que nós constatamos e fizemos um relatório para o procurador-geral
da República é que ele falseou a verdade em coisa de 20 oportunidades,
pelo menos”, disse. Deltan cita ao menos dois episódios, um que
envolveria uma tentativa de desbloqueio de bens em Cingapura e outra
que, para uma CPI do Congresso Nacional, ele teria dito que a Lava Jato
não o procurou para depor. O coordenador da operação disse ter
documentado que o advogado informou que ficaria em silêncio.
Bolsonaro
O procurador da Lava Jato fez críticas ao presidente Jair Bolsonaro.
Segundo ele, as “eclarações do presidente da República contra a
corrupção acabaram não se convertendo em ações na prática”.
“Não aprovou o pacote anticrime, não apoia a segunda instância, não
barrou medidas que dificultam o combate à corrupção, seja porque ataca a
democracia e as instituições essenciais da nossa sociedade, que são
essenciais pro nosso pacto comunitário, mas também pro combate à
corrupção”, disse o procurador.
Ainda em relação às acusações de politização da operação, Deltan
afirmou estar tranquilo com o julgamento de uma representação movida
contra ele pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que trata
da denúncia contra o petista apresentada em um PowerPoint à imprensa. “O
CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] é um órgão independente e
eu acredito que eles vão saber se basear em provas e fatos.”
Ele ainda comentou menções aos presidentes da Câmara dos Deputados,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em
documentos da Lava Jato. Maia e Alcolumbre possuem foro privilegiado e
não podem ser investigados pela força-tarefa.
Uma das acusações levantadas recentemente é que a operação teria
ocultado sobrenomes para que pudessem seguir investigando os dois.
Deltan Dallagnol negou à CNN que haja qualquer investigação contra ambos
no âmbito da Lava Jato e afirmou que eles foram citados em uma acusação
que não tratava deles, como destinatários de possíveis recursos, mas
sim de pessoas sem foro privilegiado.
Força-tarefa
Deltan Dallagnol afirmou temer pela proximidade do vencimento da
força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná, que precisará de uma
decisão sobre renovação em setembro.
“Depois daquele episódio [visita de Lindôra Araújo], foi isso que nós
vimos, uma nota agressiva do procurador-geral e o asfixiamento da
força-tarefa da Operação Greenfield”, disse, alegando que os
procuradores desta outra operação de combate à corrupção passarão a ter
que se dividir entre esse e outros casos.
Dallagnol disse não ser contra o fim do modelo de forças-tarefas, nas
quais o procurador responsável por um caso recebe uma equipe para
ajudá-lo, mas defende que seja apresentada uma alternativa. “Se for para
acabar com o modelo de força-tarefa, é preciso que tenha outro modelo
aprovado. O que não pode é acabar com o modelo e não ter nada no lugar,
porque aí o trabalho para”, disse.
Ele ainda disse ser positiva a movimentação do procurador-geral
Augusto Aras para formar uma divisão nacional centralizando as
investigações sobre corrupção. Para Deltan, no entanto, essa medida só
ajudará os trabalhos se as investigações individualmente seguirem tendo
independência em relação à chefia do MPF.
“Se órgão não tiver independência, é pegar todas as investigações
contra a corrupção do Brasil sob a guarida de uma única pessoa”, disse,
mencionando que a escolha de Aras por Bolsonaro não foi feita através da
lista tríplice, votação informal conduzida junto aos procuradores.
Dallagnol.
CNN Brasil
Registe-se aqui com seu e-mail
ConversãoConversão EmoticonEmoticon