Durante a gestão de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, militares escolheram, sem licitação, empresas para reformar prédios antigos no Rio de Janeiro. E, para isso, usaram a pandemia como justificativa para considerar as obras urgentes.
A
Advocacia Geral da União identificou dispensas de licitação a duas empresas
contratadas para:
·
Reformas de galpões na Zona Norte da
capital
·
A reforma na sede do Ministério da
Saúde no estado do RJ
Galpões
No
RJ, mais de 820 mil pessoas já tiveram Covid-19. O número de mortos ultrapassou
os 48 mil. Entretanto, parte dos investimentos dos recursos públicos foram
usados para reformar galpões para guardar arquivos.
Em
junho, o general Eduardo Pazuello reforçou a presença de militares na
Superintendência Estadual do Ministério no RJ. Na ocasião, ele nomeou o coronel
da reserva George Divério para chefiar a instituição no estado.
Anteriormente,
o coronel dirigia uma fábrica de explosivos.
Em
novembro, num período de 2 dias, Divério autorizou duas contratações sem
licitação que somam cerca de R$ 28,8 milhões.
Só
no preço dos galpões foi de R$ 8,9 milhões.
Essa área fica em Del Castilho, na Zona Norte da cidade.
A
escolhida para a reforma foi a empresa Lled Soluções. Os dois sócios da empresa
já se envolveram em um escândalo em contratos com as Forças Armadas.
Fábio
de Rezende Tonassi e Celso Fernandes de Mattos eram donos da Cefa-3, que
fornecia material de informática para a Aeronáutica, em 2007. Uma investigação
mostrou que o material vendido não foi entregue, em uma fraude aos cofres
públicos de mais de R$ 2 milhões.
No
processo na Justiça Militar, Fábio Tonassi foi condenado à prisão em terceira
instância, mas segue recorrendo em liberdade. A empresa Cefa-3 está proibida de
celebrar contratos com o Governo Federal por cinco anos, até 2022.
Os
mesmos sócios abriram uma empresa nova, a Lled. Eles continuam apresentando as
Forças Armadas como principais clientes. No governo Bolsonaro, a empresa ganhou
R$ 4 milhões em contratos. A sede da empresa não tem nem nome na porta.
O
processo de reforma dos galpões é mantido em sigilo no portal público do
Ministério da Saúde. A postura foi criticada pelo advogado e professor Carlos
Ari Sundfeld, um dos principais especialistas em contratos públicos do país.
"A
publicidade, transparência da administração pública é um requisito da
moralidade para evitar desvios. E, no caso da pandemia, como se autorizou, em
algumas situações, a fazer contratos sem licitação. A lei exigiu ainda mais
transparência, mais rapidez em colocar as informações - todas elas - à
disposição do público. Se as informações não estão disponíveis, tem alguma
coisa errada".
Sede do Ministério da Saúde
Procurando
os contratos secretos, o Jornal Nacional encontrou indícios de fraudes numa
obra ainda maior e bem mais cara. Também no mês de novembro, o coronel George
Divério autorizou uma reforma na sede do Ministério da Saúde no RJ.
O
valor do contrato é de R$ 19,9 milhões. Novamente, não
houve licitação.
A
obra foi considerada urgente com os mesmos argumentos usados no galpão. Nas
propostas são os mesmos argumentos, incluindo longos trechos idênticos.
A
obra inclui reforma do auditório com 282 poltronas novas custando R$ 2,8 mil
cada uma.
"Numa
pandemia, é urgente contratar remédios, contratar equipamentos, contratar
profissionais que atendem diretamente a população. Mas não é urgente reformar
prédios públicos pra fins burocráticos e outras finalidades que são comuns, são
do dia-a-dia da administração. Essas coisas não podem ser contratadas sem
licitação sob o pretexto de que nós estamos numa pandemia", diz Carlos
Ari.
Em
Magé, na Baixada Fluminense, a reportagem encontrou Jean Oliveira, dono e único
gestor da SP Serviços, que está inscrita na prefeitura como micro-empresa. Por
telefone, ele disse que foi convidado a fazer a obra.
"Na
verdade, como é dispensa, você é convidado, né,?! Como você já fez trabalho
para União, eles têm um site, né. As empresas que fizeram trabalho e
concluíram, né?. Aquelas empresas que fizeram trabalho e concluíram e manda
para você orçar. Você orça e dá o preço. É assim que funciona. Entendeu?"
Os
únicos contratos da SP Serviços com a União tinham sido com a Imbel, indústria
de Material Bélico, ligada ao Exército. Exatamente com a fábrica da Estrela,
fábrica de explosivos que na época era dirigida pelo coronel George Divério, o
homem nomeado por Pazuello para comandar o ministério no Rio.
Divério
contratou três vezes a empresa de Jean Oliveira sem licitação.
Depois
de assinados, os contratos da reforma do ministério e dos galpões foram anulados. Mesmo assim, a AGU quer que a investigação
continue.
A
ideia é verificar se há indícios de conluio entre servidores e a empresa
contratada. Os pareceres reconhecem que os prédios precisam de reformas, mas
afirmam que agora só seria possível fazer obras ligadas à segurança e nada
mais.
O que dizem os citados
A
Superintendência Estadual do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro (SEMS-RJ)
divulgou uma nota sobre as contratações:
A
Superintendência Estadual do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro (SEMS-RJ)
informa que atuou dentro da normalidade em relação à dispensa de licitação
09/2020, realizando pesquisa de preço com mais de 10 empresas.
Em
relação às dispensas 10/2020 e 11/2020, a Superintendência não autorizou o
início dos trabalhos e pediu parecer à Consultoria Jurídica da União (CJU/RJ).
Após resposta da CJU/RJ, os processos foram anulados e encaminhados à
Corregedoria-Geral do Ministério da Saúde.
Cabe
esclarecer que os documentos elaborados no Sistema Eletrônico de Informações
(SEI) só podem ser acessados e consultados pelas pessoas envolvidas na
construção. Caso haja a necessidade de consulta dos processos, a solicitação
pode ser feita com base na Lei de Acesso à Informação (LAI).
Por
fim, a SEMS-RJ ressalta que atua com transparência e lisura nos processos
administrativos e assistenciais, prestando contas aos órgãos de controle e à
população.
Já
a Lled disse que a abertura da empresa não tem nenhuma relação com a CEFA -3.
"Cabe ressaltar, inclusive, que a CEFA-3 e a LLEd atuam em atividades
distintas". Sobre a decisão da Advocacia Geral da União, em relação à
reforma do galpão do Ministério da saúde, "respeitamos e entendemos as
razões. Vale ressaltar que a empresa LLED é apta a participar de licitações,
tanto de forma técnica, quanto de forma fiscal".
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