A CPI da Covid sabia o tempo todo que estaria diante de um "picareta". Esta foi a definição que o blog ouviu de três senadores na véspera do depoimento do policial militar Paulo Dominguetti. Afinal, o cabo PM vendia vacinas que não existiam, como este blog noticiou na última terça-feira (29).
O que muita gente não
entende é que o fato de ser picareta não é impeditivo para depor numa CPI. Ao
contrário, é currículo. Santos não costumam participar de transações escusas. Já
picaretas, quando estão dispostos a falar, ajudam a jogar luz no que está
oculto. Só para lembrar: o escândalo do mensalão começou com o depoimento de
Roberto Jefferson. Santo, ele nunca foi.
Um lembrete: picareta que se preza
nem sempre fala a verdade. Mente e mente muito. O desafio da CPI, portanto, é
fatiar a fala do cabo da PM e descobrir o que é fato, o que precisa ser provado
e o que já se sabe que é mentira.
Vamos começar pelos fatos que
Dominguetti narra e já foram confirmados, por documentos ou testemunhas:
Fatos já
confirmados:
1 - O
governo tratou de vacinas com a Davati: durante o depoimento, o
ex-diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias,
divulgou nota confirmando as tratativas do governo Bolsonaro com a empresa.
Nenhum documento trazido à luz pela testemunha foi contestado. Ao contrário,
tudo confirmado. Ponto para o picareta.
2 - Encontro no restaurante
aconteceu: o ex-diretor de logística admitiu que houve um encontro
com Dominguetti num restaurante e ainda arrastou para as investigações outro
servidor do Ministério, o coronel Maurício Blanco. Isso é péssimo para o
governo, pois mostra que um encontro (casual ou marcado) com um picareta que
oferecia vacinas improváveis conseguia reunir dois funcionários graduados do
Ministério da Saúde. Conversas fora do local do trabalho e do horário de
expediente. Só para lembrar, a Pfizer teve que percorrer uma via crucis para
ser atendida neste mesmo ministério. Ponto para o picareta.
3
- Reuniões no ministério confirmadas: Pior ainda para o governo. Roberto Dias confirmou que um
chopinho num restaurante tem 100% de eficácia no governo Bolsonaro para
fazer uma negociação de vacinas andar. No dia seguinte ao encontro no
restaurante, foi marcada uma reunião no Ministério da Saúde. Em menos de quatro
horas, o assunto do chopinho foi esquentado e oficializado na burocracia do
Ministério da Saúde. Ponto para o picareta.
O que precisa ser confirmado
1
- Presença de mais um militar: Dominguetti incluiu na confusão mais um servidor do
Ministério da Saúde, militar da ativa até fevereiro: o coronel de intendência
Alexandre Martinelli. O oficial negou que tenha participado do encontro.
2
- O pedido de propina: Picaretas gostam de ir para encontros heterodoxos munidos
de gravador. Dominguetti não tocou neste assunto. O que temos hoje é só a
palavra dele.
O que é mentira
1
- O áudio malicioso: Papagaio que fala muito é o primeiro a ser vendido,
ensinam os vendedores de lojas de pet. Este costuma ser o grande pecado dos
picaretas. Dominguetti falou demais e foi flagrado na mentira. Ele mostrou
ansiedade para revelar um áudio do deputado Luís Miranda. Na gravação de 2020,
Miranda negocia luvas. Dominguetti fingiu que ele comercializava vacinas. Era
mentira. A intenção, no entanto, não era atingir o parlamentar, mas o seu
irmão, o funcionário do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda. Tanto que ao
ser questionado pela senadora Eliziane Gama sobre quem seria o comprador,
Dominguetti responde: "O áudio, se a gente prestar atenção num determinado
momento, ele fala meu irmão. Não sei se os senhores prestaram atenção". Ou
seja, ele queria fazer crer que o corrupto no Ministério da Saúde era o
servidor Miranda, que usaria seu irmão para comprar material de fornecedores.
Neste momento, o depoimento de Dominguetti acabou. Ele foi identificado com um
agente bolsonarista, infiltrado para tirar a credibilidade dos irmãos Miranda e
desviar o foco da CPI de um caso mais grave, o da Covaxin. Muitos senadores o
chamaram de cavalo de Tróia.
O fato é que a bancada governista não
soube aproveitar a testemunha, que passou a ser atacada pelos dois lados. Até
alguns senadores do fã-clube da cloroquina defenderam a prisão de Dominguetti
ou sua expulsão da Polícia Militar.
O blog não acha razoável a versão de que o governo montou um grande enredo, usando imprensa e CPI, para facilitar a demissão de Roberto Dias e queimar o líder do governo Ricardo Barros, sem que Bolsonaro entrasse em choque com o Centrão, mais especificamente o PP de Arthur Lira. O depoimento tem pontos muito ruins para o governo.
Agora confirmados. Além disso, o blog tem uma regra ao
analisar o bolsonarismo: nunca superestima sua inteligência, nem subestima sua
burrice. Acredita mais em aloprados à moda Rio das Pedras.
Que Dominguetti é o que chamam de
"bolsominion", por seu comportamento nas redes sociais, não há
dúvidas. Mas, se ele foi construído para ser um cavalo de Tróia, saiu-se como
um pangaré.
Por fim: alguém poderia ensinar ao
picareta que CEO é Chief Executive Officer e não céu, como ele fala. Para
compor o personagem de alguém que lida com comercio internacional fica mais
coerente. Grato.
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