Um ex-empregado que trabalhou durante 14 anos
para a família Bolsonaro afirma ter testemunhado nesse período a prática de uma
série de crimes que teriam sido cometidos pela advogada Ana Cristina Valle, atualmente ex-mulher do
presidente, e pelos parlamentares Flávio e Carlos Bolsonaro, respectivamente primeiro e
segundo filho de Jair Bolsonaro.
Depois da separação do presidente e de Ana Cristina, em 2007,
passou a ser, a pedido de Bolsonaro, uma espécie de babá de Jair Renan, filho
do casal, até a advogada deixar o Brasil e se mudar para a Europa. Finalmente,
entre 2014 e 2021, trabalhou como empregado doméstico de Ana Cristina em suas
casas, primeiro em Resende (RJ), e nos últimos meses em Brasília.
Marcelo confessa ter devolvido 80% de tudo o que recebeu no
gabinete de Flávio nos quase quatro anos em que foi seu servidor na Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj): cerca de R$ 340 mil no total.
Segundo ele, Ana Cristina foi quem precedeu Fabrício Queiroz e
era a encarregada de recolher as rachadinhas não só no gabinete de Flávio, mas
também no de Carlos, eleito vereador da Câmara do Rio em 2000. Somente depois
da separação de Jair e Ana Cristina, em 2007, Flávio e Carlos teriam assumido a
responsabilidade pelo recolhimento dos valores dos funcionários de seus
gabinetes. Só que as denúncias do ex-empregado vão bem além. Ele acusa Ana
Cristina de ter formado todo o seu patrimônio, que em 2020 estava estimado em
R$ 5 milhões, usando uma série de laranjas, inclusive na compra da mansão em que ela mora atualmente em Brasília, no Lago Sul, com o filho, Jair Renan.
Ele acusa Ana Cristina de ter formado todo o seu patrimônio, que
em 2020 estava estimado em R$ 5 milhões, usando uma série de laranjas,
inclusive na compra da mansão em que ela mora atualmente em Brasília, no Lago Sul, com o filho, Jair Renan.
Segundo Marcelo, Ana Cristina não alugou o imóvel, como ela
conta, mas o comprou, por meio de dois laranjas, com quem firmou um contrato de
gaveta, ou seja, um documento informal não registrado em cartório, para que
eles repassem o imóvel para seu nome após o encerramento do financiamento.
O objetivo seria não chamar a atenção da imprensa para a compra
de mais um imóvel de luxo pela família Bolsonaro – a mansão tem 1.200 m² de área
total e 395 m² de área construída, uma piscina de 50 m², aquecimento solar e
quatro suítes. O caso foi noticiado pelos repórteres Letícia Casado, Juliana Dal Piva, Eduardo Militão e Rafael
Moraes Moura.
Marcelo conta que, inicialmente, a casa estava sendo negociada
por um valor entre R$ 2,9 milhões e R$ 3,2 milhões. O ex-funcionário afirma não
saber o valor final da transação, mas enfatiza que tanto ele quanto Jair Renan
ouviram a advogada falando sobre a negociação.
A advogada teria usado, além do financiamento em nome dos falsos
proprietários, os recursos da venda de um imóvel e de reservas que ela guarda
desde a época em que comandava o desvio de dinheiro dos gabinetes de Flávio e
Carlos.
Após a separação do casal, quando Marcelo
deixou o gabinete, Ana Cristina o levou para trabalhar em seu escritório de
advocacia. Ele afirma ter sido procurado por Jair Bolsonaro, que teria lhe
pedido que passasse a morar na casa de Ana Cristina, para cuidar de Jair Renan,
na época com 9 anos. Ele morou com ela, como empregado doméstico, até 2009,
quando a advogada se mudou para a Noruega, onde se casou novamente, com o
noruguês Jan Raymond Hansen. A relação de trabalho se tornaria então uma
relação de amizade, a ponto de ir visitá-la na Europa.
“Você pensa que vou ser seu escravo?
Marcelo Luiz acordou que receberia R$ 3 mil em Brasília, mas Ana
Cristina teria descumprido o acordo e, alegando falta de dinheiro, pagava R$
1,3 mil mensais. Todo mês, ele cobrava o valor acordado, sem sucesso. Sem meios
de sair da mansão, o empregado acusou Ana Cristina de mantê-lo em condições
análogas às de uma pessoa escravizada.
“Falei para ela: ‘Cristina, não sou obrigado a morar na sua
casa. Trabalho para ter meu canto e em Brasília tudo é caro. Você pensa que vou
ficar na sua casa e ser seu escravo? A escravidão já acabou. Você é racista.
Isso é racismo. Você me tirou lá do Rio só porque em Brasília eu não tenho
ninguém e não conheço nada? Acha que vou aceitar o que quer fazer comigo?'”,
contou.
Em junho, ele deixou a casa, com a ajuda de
Jair Renan, e passou algumas semanas no apartamento de Jair Bolsonaro, no
Sudoeste, também em Brasília. Em agosto, retornou ao Rio de Janeiro, não sem
antes procurar o Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal e fazer uma
denúncia de violações trabalhistas contra a advogada. O MPT no DF confirmou à
coluna que o empregado, de fato, fez a denúncia e uma investigação foi aberta
para apurar o que aconteceu.
Marcelo nunca teve sua carteira assinada por
Ana Cristina, tampouco por Jair Bolsonaro, quando o presidente o contratou para
ser babá de Jair Renan. Ele conta ter conhecido a advogada por meio de um
namorado dele, em 2002, que era cabeleireiro de Ana Cristina. Sabendo que ela
era casada com Jair Bolsonaro, o cabeleireiro pediu a ela um emprego para
Marcelo. Ana Cristina teria, então, indicado Marcelo para a campanha de Flávio
a deputado estadual.
Após a eleição, Marcelo assumiu um cargo de assessor parlamentar
de nível quatro no gabinete de Flávio, onde trabalhou de 19 de fevereiro de
2003 a 6 de agosto de 2007, com salário bruto oficial de R$ 7.326. A coluna
confirmou no Diário Oficial da Alerj todas essas informações.
A própria Ana Cristina teria determinado a devolução de parte do
salário. O esquema foi colocado como condição para obtenção do emprego. Jair, Flávio
e Carlos teriam, segundo ele, conhecimento de tudo. Ainda de acordo com
Marcelo, os percentuais repassados variavam caso a caso, e alguns dos
funcionários eram também fantasmas.
Marcelo diz, no entanto, que, com o passar do tempo, Flávio e
Carlos ficaram incomodados com o fato de ser Ana Cristina quem comandava o
esquema, e passaram a ter embates com a madrasta. Ele chegou até a trabalhar
com Fabrício Queiroz, mas num período em que o então PM ainda não era um dos
cabeças do que o Ministério Público do Rio de Janeiro chamou de organização
criminosa voltada para os crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização
criminosa e apropriação indébita.
O MP do Rio de Janeiro já tinha Marcelo Luiz em seu radar. Ele
foi uma das pessoas que tiveram os sigilos fiscal e bancário quebrados pela
Justiça do Rio em abril de 2019
A defesa de Flávio Bolsonaro afirmou para a coluna que o
parlamentar desconhece as afirmações de Marcelo Luiz Nogueira dos Santos.
Também disse não saber de supostas irregularidades que possam ter sido
praticadas por ex-servidores da Alerj ou possíveis acertos financeiros que
eventualmente tenham sido firmados entre esses profissionais. A nota ainda
afirmou que Flávio sempre seguiu as regras da Assembleia Legislativa e que tem
sido vítima de uma campanha de difamação.
Carlos e Jair Renan Bolsonaro foram procurados, mas não
responderam. A coluna não conseguiu contato com Ana Cristina Valle. O espaço
está aberto para manifestações.
Colaboraram Isadora Teixeira e Victor Fuzeira
Confira aqui os primeiros trechos da entrevista de Marcelo Luiz Nogueira dos Santos
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