O ato em defesa da democracia e do sistema
eleitoral brasileiro reuniu empresários, juristas, artistas, movimentos sociais
e sindicais na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo na
manhã desta quinta-feira (11).
O evento levou uma
multidão ao Largo de São Francisco, no Centro da capital paulista, e foi
encerrado com gritos de "Fora, Bolsonaro".
Dentro da
universidade, os
discursos recordaram os mortos na ditadura e foram marcados pela cobrança da
manutenção do Estado democrático de Direito e do respeito ao sistema eleitoral
brasileiro.
A primeira parte do ato ocorreu no salão nobre da faculdade e teve
início por volta das 10h. O reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Júnior, abriu os
discursos citando as 47 mortes de pessoas da
universidade que lutaram contra a repressão militar.
"Nós, da USP, perdemos vidas preciosas durante um período de
exceção, as cicatrizes ainda são visíveis, vidas que foram ceifadas pela
repressão ou livre pensamento. Nesse período, perdemos 47 pessoas que eram
parte de nossa comunidade, nós não esquecemos e não esqueceremos. Aqueles que
rejeitam e agridem a democracia não protegem o saber, a ciência, o pensamento e
não amam a universidade."
E encerrou sua fala exigindo respeito ao voto e ao sistema eleitoral.
"Queremos eleições livres e tranquilas, queremos um processo
eleitoral sem fake news ou intimidações. A universidade brasileira é o oposto
do autoritarismo."
Em seguida, Oscar Vilhena Vieira, advogado e membro da Comissão Arns e
do Comitê do Manifesto, assumiu a palavra.
Ele afirmou que as 800 pessoas presentes no salão nobre do prédio
representavam todos os movimentos sociais, sindicais e empresários que
superaram as diferenças para lutar por uma única causa.
"Aqui estão representados os setores mais vibrantes da economia.
Temos os principais movimentos sociais que lutam pela dignidade do Brasil, além
das organizações não governamentais que defendem os direitos humanos. Todos
estão nesta sala. Dada a gravidade do momento que vivemos, todos foram capazes
de transcender suas diferenças e se juntar pela luta da democracia. Estado de
Direito sempre."
Também discursaram durante o evento: Armínio Fraga, ex-presidente do
Banco Central; Telma Aparecida, representando a CUT (Central Única dos
Trabalhadores); a advogada Beatriz Lourenço do Nascimento, coordenadora da
Uneafro Brasil e membro da Coalizão Negra por Direitos; Horácio Lafer Piva,
presidente do conselho deliberativo da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá);
Francisco Canindé, na União Geral dos Trabalhadores; Patrícia Vanzolini,
presidente da seccional de São Paulo da Ordem de Advogados do Brasil (OAB);
Raimundo Bonfim, coordenador nacional da Central de Movimentos Populares e
Frente Brasil Popular; Miguel Torres, presidente da Força Sindical, Sindicato
dos Metalúrgicos de SP e Mogi das Cruzes e CNTM; Bruna Brelaz, amazonense,
estudante de direito e presidente da UNE.
Diversas personalidades participaram
do ato, como a cantora Daniela Mercury, o ex-jogador Walter
Casagrande, o ex-locutor Osmar Santos, a apresentadora Bela Gil, o escritor
Marcelo Rubens Paiva, os ex-apresentadores Cazé Peçanha e Edgard Piccoli, entre
outros.
Daniela lembrou do movimento das Diretas Já!, que ocorreu ao final da
ditadura militar.
"Em 1977, eu tinha 12 anos, estava na ditadura. A comunidade LGBT só pode existir em um país democrático porque as diferenças só são respeitadas em um país democrático. O autoritarismo não inclui todos, é quase um reinado, monarquia. Quando falamos isso, as pessoas não entendem. A gente está aqui porque pessoas fizeram aquele movimento das Diretas, conseguimos resgatar nossa democracia. A gente elege nossos representantes. Cada um pensa de uma forma, mas vamos criando formas de resolver as questões coletivas e assim que tem que ser. A gente não precisa concordar com o outro, a gente precisa conseguir encontrar um caminho do meio para fazer políticas públicas importantes, para acabar com as desigualdades, acabar com o racismo, acabar com a LGBTfobia, acabar com a fome", disse.
Leia
a íntegra da 'Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado
democrático de Direito':
"Em agosto de 1977, em
meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no
País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no
território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na
qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção
em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a
convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A semente plantada rendeu
frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte
resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado
democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.
Temos os poderes da República,
o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com
o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a
Constituição Federal.
Sob o manto da Constituição
Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições
livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para país
sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está
estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por
meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição”.
Nossas eleições com o processo
eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias
alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição
republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis,
assim como a Justiça Eleitoral.
Nossa democracia cresceu e
amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas
desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como
saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no
desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O
Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por
maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação
sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.
Nos próximos dias, em meio a
estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos
mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento,
deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos
políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do
país nos próximos anos.
Ao invés de uma festa cívica,
estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática,
risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das
eleições.
Ataques infundados e
desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado
democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São
intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a
incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a
desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia
norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança
do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.
Nossa consciência cívica é
muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao
lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem
democrática.
Imbuídos do espírito cívico que
lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre
do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou
partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas
na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais
espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado.
A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente
pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as
tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:
Estado Democrático de Direito
Sempre!!!!" g1
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