O Senado concluiu
nesta quarta-feira (7) a votação, em dois turnos, da proposta de emenda à
Constituição (PEC) da Transição. O texto segue para a análise da
Câmara.
O texto eleva o teto de gastos para que o próximo governo possa manter a
parcela de R$ 600 do Bolsa Família (atual Auxílio Brasil) e financiar outros programas sociais a
partir de janeiro.
A PEC da Transição é a grande aposta do presidente eleito, Luiz
Inácio Lula da Silva
(PT), para cumprir as principais promessas de campanha. O
texto prevê:
- ampliação do teto em R$ 145
bilhões para
acomodar Bolsa Família e outros programas;
- validade de dois anos para este aumento do
Orçamento, 2023 e 2024;
- prazo até o fim de agosto para o governo Lula
enviar ao Congresso um novo regime fiscal em substituição ao teto de
gastos.
O teto de gastos é uma barreira fiscal que proíbe o governo aumentar
despesas acima do que foi gasto no ano anterior acrescido da inflação.
O aumento das despesas obrigatórias (a exemplo dos gastos previdenciários)
reduz o espaço para gastos opcionais dentro do teto de gastos. Dessa forma,
despesas não obrigatórias, como investimentos e custeio da máquina pública,
podem ser bloqueadas.
Aprovação com folga no placar
No plenário do Senado, uma PEC precisa de 49 votos favoráveis para ser
aprovada. O placar foi bem mais elástico: 64 votos a 16 no primeiro turno, e 64
a 13 no segundo turno.
A sessão desta quarta teve quórum completo: todos os 81 senadores com
mandato participaram.
No primeiro turno, apenas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), não votou. No segundo, também se abstiveram Marcos Rogério (PL-RO),
Maria do Carmo Alves (PP-SE) e Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) – que tinham
votado contra a PEC anteriormente.
Dos 16 partidos que orientaram a votação de suas bancadas, apenas dois
pediram voto "não": PP e PL, ambos da coligação do presidente Jair
Bolsonaro (PL) na campanha derrotada de reeleição.
O Republicanos, que também era da coligação, orientou voto
"sim", enquanto Podemos e PSDB liberaram suas bancadas.
Entre as bancadas não partidárias, os blocos da oposição, da maioria e
da minoria orientaram voto "sim". A liderança do governo Jair
Bolsonaro orientou voto "não", e a bancada feminina liberou voto.
Orçamento do Bolsa Família
O presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso o projeto do Orçamento
de 2023 com uma reserva de R$ 105 bilhões para o Bolsa Família. Esse valor só
permite o pagamento mensal de uma parcela de R$ 405 para os beneficiários.
A PEC foi a ferramenta encontrada pelo novo governo petista para
completar a mensalidade, atingir os R$ 600, e ainda garantir mais R$ 150 por
criança de até 6 anos na família.
Então, além dos R$ 105 bilhões, a PEC
possibilita mais R$ 145 bilhões de folga no Orçamento, tudo dentro da regra
fiscal. O dinheiro pode ser dividido da seguinte forma:
- R$ 70 bilhões para inteirar a
mensalidade do Bolsa Família e bancar o adicional por criança;
- e R$ 75 bilhões para aumento do salário mínimo, complementação do Farmácia Popular, merenda escolar, entre outros.
Inicialmente, a equipe de transição estudou excluir do teto R$
175 bilhões (orçamento total do Bolsa Família), de forma permanente, mas essa
ideia foi barrada pela cúpula do Congresso e pelas bancadas que integram o
Centrão. O mercado também reagiu negativamente a esse drible na regra fiscal.
Os articuladores
petistas no Senado, Jaques Wagner (BA) e Paulo Rocha (PA), aceitaram um meio
termo.
Com isso, a
alternativa de subir o teto em R$ 145 bilhões foi aprovada já nesta terça-feira
pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A mudança consta no
parecer do relator, Alexandre Silveira (PSD-MG), que será levado a plenário.
Nova 'âncora fiscal'
Segundo o projeto, o teto de
gastos deverá ser substituído por outra âncora fiscal – ou seja, outro
indicador de saúde do gasto público. A PEC fixa prazo de oito meses, até agosto
de 2023, para o avanço desse debate.
Até o fim desse prazo,
o presidente da República deverá encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de
lei complementar “com objetivo de instituir regime fiscal sustentável para
garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas
ao crescimento socioeconômico”.
A Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) diz que o governo não pode criar despesa ou
expandir políticas públicas sem antes apontar uma fonte de financiamento para
bancar tal ação. O parecer de Silveira dispensa o governo de cumprir a regra em
caso de aumento de despesas com o Bolsa Família e o Auxílio Gás.
Despesas fora do teto
O texto permite o uso de até
R$ 23 bilhões em investimentos já neste ano fora do teto de gastos. Os recursos
virão do excesso de receita, se a União arrecadar mais dinheiro de um imposto
do que previa.
A validade do
dispositivo neste ano também foi uma demanda do Centrão em troca da aprovação
da PEC. Isso, porque os R$ 23 bilhões vão possibilitar a liberação de R$ 7,7
bilhões em emendas de relator ainda este ano, chamadas de orçamento secreto
pela falta de transparência e critérios na distribuição dos recursos entre os
parlamentares. O montante está atualmente bloqueado justamente para cumprimento
do teto.
Desta forma, deputados
e senadores conseguirão cumprir promessas de campanha destravando obras, por
exemplo, em seus redutos eleitorais. Eles vão poder empenhar (reservar) os
valores agora, para que sejam efetivamente pagos no ano que vem.
Outro ponto autoriza o
novo governo a usar o dinheiro esquecido por trabalhadores nas cotas do
PIS/Pasep sem que essa despesa seja contabilizada no teto de gastos. De acordo
com a Caixa Econômica, R$ 24 bilhões em cotas do PIS/Pasep estão disponíveis para mais de
10 milhões de pessoas. Esse dinheiro poderia ser usado pelo governo
para investimentos, conforme a PEC.
A PEC também retira das limitações do teto de gastos:
- os investimentos financiados através de
parcerias internacionais;
- as doações para projetos socioambientais e
relacionados às mudanças climáticas;
- as doações recebidas por universidades
federais;
- a
transferência de recursos dos estados para a União executar obras e
serviços de engenharia.
Outros pontos
A proposta também prorroga até 2024 uma legislação que já existe para
auxiliar o governo a cumprir as contas públicas, porque desvincula (libera) 30%
do que é arrecadado com contribuições sociais para cobrir outras despesas, sem
prejuízo da Previdência.
O texto garante, até 2026, o limite de pagamento anual dos precatórios –
dívidas da União reconhecidas pela Justiça em decisões das quais não cabem mais
recursos. E muda o cálculo do valor que deverá ser pago.
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