O paulista Geraldo Vaz Junior, de
58 anos, busca respostas para um caso raro envolvendo doação de órgãos no
Brasil: ele recebeu, em março de 2023, um fígado transplantado com câncer.
Meses depois da cirurgia, Junior descobriu que estava com adenocarcinoma — um
tumor maligno — no órgão recebido. Mais recentemente, um exame detectou
metástase do mesmo tipo de câncer no pulmão dele.
Agora, tanto ele quanto a esposa,
Márcia Helena Vaz, decidiram falar. Ela, que está em campanha com o marido nas
redes sociais e pelas ruas de São Paulo desde setembro deste ano e lutam por
explicação e investigações sobre o que pode ter ocorrido no procedimento.
O papel de regulamentar e
fiscalizar a doação e transplante de órgãos, tecidos, células e parte do corpo
humano em todo o país cabe ao Sistema Nacional de Transplante, o SNT,
coordenado pelo Ministério da Saúde.
Do transplante de órgão à
metástase
A saúde de Junior começou a se deteriorar em 2010, quando ele foi diagnosticado
com cirrose hepática por vírus C, mais conhecida como hepatite C.
Em 8 de julho de 2023, ele,
enfim, foi submetido a um transplante de fígado no Hospital Albert Einstein, em
São Paulo, como paciente do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional
(Proadi) do Sistema Único de Saúde (SUS).
Sete meses depois, Júnior
apresentou sintomas de alterações hepáticas e foi submetido a uma ressonância
magnética, que apontou a presença de seis nódulos no fígado transplantado. Após
biópsia, foi constatado que o achado se tratava de um adenocarcinoma.
Um exame de DNA, feito em março
de 2024, comparou o material genético do paciente com a biópsia dos nódulos
cancerígenos. O resultado apontou que “as células da neoplasia não têm o mesmo
genótipo das células do sangue periférico do paciente”, concluindo, então, que
o tumor teve origem no órgão transplantado.
O laudo hospitalar evidencia que
as células cancerosas do fígado possuem cromossomos sexuais femininos (XX),
enquanto Geraldo, sendo homem cis, possui cromossomos masculinos (XY). “É como
se as células do tumor ‘assinassem’ que vieram de uma mulher, não dele”,
comentou a especialista.
Com os resultados, em maio de
2024, Geraldo Junior passou por um retransplante de fígado “por adenocarcinoma
advinda do doador”, como aponta documento da alta médica.
No início de agosto de 2024, veio
mais um susto: foi detectada metástase no pulmão do paciente. A conclusão
diagnóstica indicou um adenocarcinoma invasivo com as mesmas características
das células cancerígenas do fígado transplantado.
“Isso sugere que a doadora já
tinha um câncer que não foi detectado antes da doação, e pequenas células desse
tumor estavam presentes no fígado transplantado”, explicou Caroline.
Opinião dos especialistas: caso é
extremamente raro
Segundo a médica e perita, estudos internacionais indicam que casos de
transmissão de câncer em doação de órgão são extremamente raros, com incidência
inferior a 0,03%. Para ela, apesar da raridade de casos, é um risco inerente ao
transplante, “que deve ser balanceado contra o risco de morte na lista de
espera”.
Apesar da triagem rigorosa dos
órgãos doados — que inclui histórico médico do doador, exames macroscópicos e
laboratoriais, como tipagem sanguínea e sorologias –, tumores ocultos ou
micrometástases microscópicas podem não ser detectados.
Ministério da Saúde disse
acompanhar o caso
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que antes da doação, não foram
identificados ou apresentados indícios de qualquer problema de saúde nos exames
realizados no doador, incluindo inspeção dos órgãos e abdômen, análise do
histórico médico e entrevista com a família. Segundo a pasta, todas as normas e
parâmetros internacionais foram cumpridos.
O ministério determinou o
acompanhamento de saúde do paciente e informou que está monitorando o caso
junto à Central Estadual de Transplantes e ao hospital responsável pelo
atendimento. “Até o momento, os exames não são conclusivos sobre a relação
causal, que exige análise minuciosa. Todas as informações estão sendo
compartilhadas com a vigilância local”, finalizou.
A Secretaria Estadual de Saúde de
São Paulo (SES-SP) afirmou que os transplantes de órgãos e tecidos seguem
protocolos rigorosos e critérios técnicos definidos pelo Ministério da Saúde
por meio do SNT. “Os órgãos e tecidos doados devem ser submetidos a exames
clínicos e laboratoriais rigorosos, minimizando os riscos de transmissão de
doenças entre doador e receptor”, disse a pasta, em nota.
A SES-SP acrescentou que a
avaliação clínica dos doadores, bem como todos os exames pertinentes, são
realizados pelas equipes médicas e laboratórios habilitadas na unidade onde
ocorre a captação dos órgãos após ter sido constatado o óbito da pessoa doadora.
O Hospital Albert Einstein, onde
Geraldo Junior foi atendido, afirmou que não participou da análise do doador,
atuando apenas no acompanhamento do paciente durante e após o transplante.
Exames complementares mostraram
que Junior está em metástase sem previsão de cura. Como tratamento, ele deve
passar por sessões de quimioterapia, o que considera uma “sentença”.
“Ele tem que fazer
[quimioterapia] pro resto da vida dele, porque sempre essa doença vai ter que
estar controlada. No melhor do prognóstico, que ela continue controlada
enquanto ele viver”, falou Márcia.
O homem, que era técnico de
eletrodomésticos antes do diagnóstico, não tem mais condições de trabalhar.
“Primeiro, a gente precisa saber
onde ocorreu o erro. E se o erro aconteceu, quem o cometeu. Para depois, a
partir dali, partir para um pedido de mudança com urgência acerca do processo.
Hoje é o Geraldo, amanhã pode ser o Antônio, depois, o José”, finalizou. Com
informações de Metrópoles
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