A assinatura, pelo presidente Bolsonaro, do decreto que facilita a posse
de armas é o cumprimento de promessa de campanha e, tanto quanto isso,
um ícone dos movimentos políticos mais à direita. Não por acaso, nos
Estados Unidos, o forte lobby pró-armas exercido pela National Rifle
Association (NRA), ou simplesmente Rifle, é um braço militante ligado
aos segmentos mais conservadores do partido Republicano, abertamente
favorável ao governo Trump.
Trata-se de saber qual o impacto da facilitação à posse de armas no
Brasil — a flexibilização do porte continuará a ser tentada pela
“bancada da bala” no Congresso —, país com mais de 60 mil homicídios por
ano, 70% dos quais cometidos à bala.
A aposta enganosa do governo é que armar o cidadão significa garantir o
refluxo da violência do crime. É por isso que Bolsonaro, ao abrir a
rápida solenidade de assinatura do decreto, citou o “legítimo direito de
defesa”, lembrando o plebiscito feito em 2005, conforme previsto pelo
Estatuto do Desarmamento, em que a maioria decidiu pela manutenção do
comércio de armas e munições.
Não é possível compartilhar com o presidente a certeza de que hoje o
resultado da consulta seria o mesmo. Recente pesquisa Datafolha mostrou
posição oposta — 61% são contra a posse de armas, e já foi menos.
Mas o fato é que obstáculos que existiam na legislação para conter a
posse de armamentos acabam de ser eliminados, e esta é uma realidade com
a qual a sociedade precisa conviver, acompanhar e monitorar.
Há debates apaixonados sobre o maior ou menor acesso a armas. Porém,
existem fatos indiscutíveis. Dois deles: o precário sistema de
vigilância de armamentos e a ausência de mecanismos de monitoramento
previstos no Estatuto, jamais implementados como deveriam. Nada garante
que a facilitação da posse terá algum controle eficaz.
Outro aspecto do problema, além dos enormes riscos de se ter armas em
casa — compreensível em regiões isoladas no interior — , é a constatação
de que boa parte das armas em circulação na bandidagem tem origem
legal. Segundo a CPI do Tráfico de Armas, 86% delas foram adquiridas
conforme a lei, e, depois, desviadas.
A pesquisa de um lote de 10.549 armas apreendidas no Rio de Janeiro,
entre 1998 e 2003, mostrou que 74% haviam sido adquiridas por pessoas
físicas, legalmente; e 25% por empresas de segurança privada. Faz muito
tempo, mas a amostragem é consistente.
É difícil desmentir a relação entre mais armas e mais mortes. Mesmo nos
Estados Unidos, com baixas taxas de homicídios, mas elevadas se
comparadas com as de outros países desenvolvidos — segundo o “Gun
Violence Archive”, a taxa de homicídios nos EUA é 25 vezes mais alta. E
há chacinas pouco ou nunca vistas em outras sociedades afluentes.
Deve-se lembrar, ainda, que o Estatuto do Desarmamento, ao entrar em
vigor em 2004, estancou o ritmo de crescimento de homicídios — de 8,1%
ao ano entre 1980 e 2003, para 2,2% de 2004 a 2014. Agora, resta ao
Legislativo e a organismos da sociedade civil acompanharem a
implementação do decreto.
Para pensar...
O Globo
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