Um processo de impeachment do presidente Trump parece inevitável. A
não ser que o presidente renuncie, a pressão do público sobre os líderes democratas para
iniciarem um procedimento de impeachment em 2019 só vai crescer. Muita
gente pensa em termos de inércia: considera que as coisas vão permanecer
como estão. Essas pessoas deixam de levar em conta o fato de que a
opinião pública muda conforme o decorrer dos fatos.
Quer já tenhamos ou não evidências suficientes para iniciar um
impeachment de Trump –a meu ver, temos, sim—, vamos descobrir o que o
procurador especial, Robert Mueller, encontrou, mesmo que a investigação
dele seja encerrada antes de concluir.
Um número importante de candidatos republicanos não quis se
posicionar ao lado de Trump nas eleições de 2018, e o resultado dessas
eleições não reforçou a posição do presidente dentro de seu partido. Seu
status político, que já era fraco havia algum tempo, está despencando
vertiginosamente.
As eleições legislativas foram seguidas por novas revelações nas investigações criminais sobre assessores antes muito próximos ao presidente, além de novos escândalos envolvendo o próprio Donald Trump.
O fedor de corrupção política envolvendo o presidente –e
possivelmente afetando sua política externa— se intensificou. E os
acontecimentos dos últimos dias imbuíram muitos republicanos de um novo
sentimento de alarme: a decisão precipitada do presidente de retirar as tropas americanas da Síria, a renúncia repentina do secretário de Defesa Jim Mattis, o desmaio do mercado acionário, a paralisação sem sentido de partes do governo.
A palavra “impeachment” tem sido aventada de modo indiscriminado. O
impeachment frívolo do presidente Bill Clinton ajudou a fazer com que a
medida fosse vista como uma forma de vingança política. Mas o
impeachment é algo muito mais grave e importante que isso; ele exerce um
papel crítico no funcionamento de nossa democracia.
O impeachment foi o método escolhido pelos fundadores dos EUA para
obrigar um presidente a prestar contas de seus atos entre uma eleição e
outra. Determinados a evitar a instauração de governantes que atuassem
como reis na prática, eles colocaram a decisão sobre se um presidente
deve ou não ser autorizado a continuar em seu papel nas mãos dos
representantes do povo que o elegeu.
Os fundadores entendiam que a revogação dos resultados de uma eleição
presidencial é algo que precisa ser abordado com muito cuidado e que
era preciso evitar que esse poder fosse utilizado como exercício de
partidarismo ou por uma facção. Assim, eles incluíram na Constituição
regras que tornam extremamente difícil para o Congresso tirar um
presidente do poder, incluindo a exigência de que, depois de a Câmara
ter votado pelo impeachment, o Senado precisa julgar o pedido, sendo
necessários os votos de dois terços dos senadores para que o presidente
seja condenado.
Uma coisa que acaba sendo esquecida na discussão sobre os
possíveis delitos cometidos por Trump está o fato de que o impeachment
não foi criado para lidar unicamente com crimes. Em 1974, por exemplo, o
Comitê Judiciário da Câmara acusou Richard Nixon de, entre outras
coisas, ter abusado de seu poder, usando a Receita americana contra seus
adversários políticos.
O Comitê também responsabilizou o presidente por delitos cometidos
por seus assessores e por ter deixado de honrar o juramento
presidencial, segundo o qual o presidente precisa “assegurar a execução
fiel das leis”.
A crise presidencial atual parece ter apenas duas saídas possíveis.
Se Trump achar que ele e membros de sua família poderão ser acusados de
crimes, ele pode se sentir encurralado. Com isso, ele teria duas
escolhas: renunciar à Presidência ou tentar combater seu afastamento
pelo Congresso. Mas a segunda alternativa seria altamente arriscada.
Não compartilho a visão convencional segundo a qual, se Trump sofrer
impeachment pela Câmara, o Senado de maioria republicano jamais reuniria
os 67 votos que seriam necessários para condená-lo.
A inércia diria que seria esse o caso, mas a situação atual, que já
está se alterando, terá sido ultrapassada há muito tempo quando os
senadores tiverem que enfrentar essa questão. Republicanos que no
passado foram aliados firmes de Trump já criticaram abertamente alguns
dos atos recentes do presidente, incluindo seu apoio à Arábia Saudita a
despeito do assassinato de Jamal Khashoggi e sua decisão sobre a Síria.
Além disso, deploraram abertamente a saída de Mattis.
Sempre me pareceu que a turbulenta Presidência de Trump é
insustentável e que republicanos chaves acabariam por decidir que ele
virou um ônus excessivo para seu partido ou um perigo grande demais para
o país. É possível que esse momento já tenha chegado.
No fim, os republicanos vão optar por sua própria sobrevivência
política. Praticamente desde o início, alguns senadores republicanos
especularam quanto tempo duraria a Presidência de Trump. Alguns devem
certamente ter observado que sua base não saiu vencedora nas eleições
parlamentares recentes.
Mas é muito possível que não cheguemos a uma votação no Senado.
Confrontado com uma série de possibilidades impalatáveis, incluindo a de
ser indiciado criminalmente depois de deixar a Presidência, Trump vai
procurar uma saída.
Vale relembrar que Nixon renunciou sem ter sido condenado nem
destituído por impeachment. Estava claro que a Câmara ia abrir um
processo contra ele, e Nixon fora avisado por republicanos que sua base
de apoio no Senado tinha desmoronado. É muito possível que Trump
demonstre um instinto semelhante de autopreservação. Mas, como Nixon,
ele vai querer proteções legais futuras.
Richard Nixon foi perdoado pelo presidente Gerald Ford, e, apesar das
desconfianças, nunca surgiram provas de manipulação. Embora o caso de
Trump seja mais complexo que o de Nixon, o perigo evidente de se
conservar no poder um presidente que está fora de controle pode muito
bem levar políticos de ambos os partidos, não sem algumas controvérsias,
a fechar um acordo para afastá-lo.
Nossa!
Folha SP
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