O governo Jair Bolsonaro (PSL) incluiu entre as atribuições da
Secretaria de Governo, comandada pelo general Carlos Alberto dos Santos
Cruz, o monitoramento e a coordenação de ONGs e de organismos
internacionais. Para o movimento indígena, a iniciativa, inexistente nos
governos anteriores, busca enfraquecer seus parceiros.
Na medida provisória (MP) 780, que reorganizou as atribuições no Poder
Executivo, lê-se que compete à Secretaria de Governo "supervisionar,
coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos
organismos internacionais e das organizações não governamentais no
território nacional".
Em postagem no Twitter nesta quarta (02), Bolsonaro acusou ONGs de
explorar e manipular indígenas e quilombolas, mas sem apresentar
evidências.
"Mais de 15% do território nacional é demarcado como terra indígena e
quilombolas. Menos de um milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados
do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por ONGs. Vamos juntos
integrar estes cidadãos e valorizar a todos os brasileiros", escreveu.
"Se o propósito da medida fosse o de facilitar uma relação construtiva
entre grupos internacionais da sociedade civil e o governo no seu mais
alto nível, seria uma medida bem-vinda", afirma José Miguel Vivanco,
diretor da divisão de Américas da Human Rights Watch.
"No entanto o que me chama a atenção é o uso dos termos 'supervisionar' e
'monitorar', que sugerem uma falta fundamental de compreensão do papel
independente que essas entidades desempenham em qualquer sociedade
aberta e democrática."
Para Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Apib (Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil), além de esvaziar a Funai (Fundação Nacional do
Índio), transferindo a atribuição de demarcação para o Ministério da
Agricultura, Bolsonaro "está partindo pra cima dos apoiadores que atuam
em defesa dos povos indígenas".
"As ONGs trabalham na defesa territorial e nas demarcações e ajudam a
denunciar violência contra os indígenas", afirma Tuxá, que atribui a
medida à aliança de Bolsonaro com as bancadas ruralista e evangélica.
"O temor é de que o governo terá aval para nos dizimar. Vivemos um
cenário de 1500, querem nos colonizar. Mas não vamos nos calar, vou dar o
meu sangue em favor dos povos indígenas", diz o líder da maior
organização indígena do país.
"Ficamos muito felizes em saber que o governo vai acompanhar de perto as
ONGs", ironiza Nilo D'Ávila, diretor de Campanhas do Greenpeace Brasil,
de atuação socioambiental. "Assim vai poder tomar providências
rapidamente sobre as denúncias de grilagem de terra, desmatamento
ilegal, exploração ilegal de madeira, fraudes em licenciamento e outros
absurdos que vivem sendo denunciados pelas ONGs."
A reportagem tentou contato com o general Santos Cruz via WhatsApp e celular, mas não obteve resposta.
Inconstitucional Para a diretora executiva da ONG Conectas Direitos
Humanos, Juana Kweitel, o controle da sociedade civil não é atribuição
da Presidência da República.
"Esta medida é abertamente ilegal, pois a Constituição veda
expressamente qualquer tentativa de interferência estatal no
funcionamento das organizações. Essa norma precisará ser revertida seja
por meio de uma nova MP ou do Judiciário. A democracia precisa de uma
sociedade civil livre e atuante", diz Kweitel, cuja organização tem
status consultivo na ONU.
Na avaliação da pesquisadora da Escola de Direito da FGV-SP, Aline
Gonçalves de Souza, o Brasil já possui mecanismos de controle de ONGs,
incluindo o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei
13.019/14), entre outras normas.
"No entanto essa nova atribuição encontra limite na Constituição Federal
que assegura a liberdade de associação para fins lícitos e a vedação da
interferência estatal no funcionamento das associações", explica a
advogada.
"Diante dessa novidade, é importante acompanhar a tramitação da MP para
que as competências da Secretaria de Governo sejam compatíveis com a
previsão constitucional, bem como se esclareça em regulamentação os
limites da nova competência", completou.
É arrocho...
Folhapress.
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