Um extenso lote de arquivos secretos revela que os procuradores da
Lava Jato, que passaram anos insistindo que são apolíticos, tramaram
para impedir que o Partido dos Trabalhadores, o PT, ganhasse a eleição
presidencial de 2018, bloqueando ou enfraquecendo uma entrevista
pré-eleitoral com Lula com o objetivo explícito de afetar o resultado da
eleição.
Os arquivos, a que o Intercept teve acesso com exclusividade, contêm,
entre outras coisas, mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no
aplicativo Telegram. Neles, os procuradores da força-tarefa em Curitiba,
liderados por Deltan Dallagnol, discutiram formas de inviabilizar uma
entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à colunista da
Folha de S.Paulo Mônica Bergamo,autorizada pelo ministro do Supremo
Tribunal Federal Ricardo Lewandowski porque, em suas palavras, ela “pode
eleger o Haddad” ou permitir a “volta do PT” ao poder.
Essas discussões ocorreram no mesmo dia em que o STF acatou o pedido
de entrevista da Folha de S.Paulo. Conforme noticiado no Consultor
Jurídico: “Na decisão, o ministro [Ricardo Lewandowski] citou que o
Plenário do STF garantiu ‘a ‘plena’ liberdade de imprensa como categoria
jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia’”.
Os diálogos demonstram que os procuradores não são atores
apartidários e apolíticos, mas, sim, parecem motivados por convicções
ideológicas e preocupados em evitar o retorno do PT ao poder. As
conversas fazem parte de um lote de arquivos secretos enviados ao
Intercept por uma fonte anônima há algumas semanas (bem antes da notícia
da invasão do celular do ministro Moro, divulgada nesta semana, na qual
o ministro afirmou que não houve “captação de conteúdo”). O único papel
do Intercept foi receber o material da fonte, que nos informou que já
havia obtido todas as informações e estava ansioso para repassá-las a
jornalistas. A declaração conjunta dos editores do The Intercept e do
Intercept Brasil (clique para ler o texto completo) explica os critérios
editoriais usados para publicar esses materiais, incluindo nosso método
para trabalhar com a fonte anônima.
Aquele dia, a comoção teve início às 10h da manhã, assim que o grupo
soube da decisão de Lewandowski. O ministro ressaltou que os argumentos
usados para impedir a entrevista de Lula na prisão eram claramente
inválidos, uma vez que com frequência entrevistas são “concedidas por
condenados por crimes de tráfico, homicídio ou criminosos
internacionais, sendo este um argumento inidôneo para fundamentar o
indeferimento do pedido de entrevista”. Assim, levando em conta que Lula
“não [se encontra] em estabelecimento prisional, em que pode existir
eventual risco de rebelião” e tampouco “se encontra sob o regime de
incomunicabilidade”, o ministro decidiu em favor da entrevista.
Um clima de revolta e pânico se espalhou entre os procuradores.
Acreditando se tratar de uma conversa privada que jamais seria
divulgada, eles deixaram explícitas suas motivações políticas.
A procuradora Laura Tessler logo exclamou: “Que piada!!!
Revoltante!!! Lá vai o cara fazer palanque na cadeia. Um verdadeiro
circo. E depois de Mônica Bergamo, pela isonomia, devem vir tantos
outros jornalistas… e a gente aqui fica só fazendo papel de palhaço com
um Supremo desse… ”.
Uma outra procuradora, Isabel Groba, respondeu com apenas uma palavra e várias exclamações: “Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”.
Após uma hora, Tessler deixou explícito o que deixava os procuradores
tão preocupados: “sei lá…mas uma coletiva antes do segundo turno pode
eleger o Haddad”.
Enquanto essas mensagens eram trocadas no grupo dos procuradores da
Lava Jato, Dallagnol estava conversando em paralelo com uma amiga e
confidente identificada no seu Telegram apenas como ‘Carol PGR’ (cuja
identidade não foi confirmada pelo Intercept). Lamentando a
possibilidade de Lula ser entrevistado antes das eleições, os dois
estavam expressamente de acordo que o objetivo principal era impedir o
retorno do PT à presidência e concordaram que rezariam para que isso não
ocorresse.
Não se trata de uma confissão isolada. Toda a discussão, que se
estendeu por várias horas, parece mais uma reunião entre estrategistas e
operadores anti-PT do que uma conversa entre procuradores supostamente
imparciais.
Descartada a possibilidade de impedir a entrevista, eles passaram a
debater qual formato traria menos benefícios políticos para Lula: uma
entrevista a sós com Mônica Bergamo, ou uma coletiva de imprensa com
vários jornalistas. Januário Paludo, por exemplo, propôs as seguintes
medidas: “Plano a: tentar recurso no próprio stf, possibilidade Zero.
Plano b: abrir para todos fazerem a entrevista no mesmo dia. Vai ser uma
zona mas diminui a chance da entrevista ser direcionada.”
Outro procurador, Athayde Ribeiro Costa, sugeriu expressamente que a
Polícia Federal manobrasse para que a entrevista fosse feita depois das
eleições, já que não havia indicação explícita da data em que ela
deveria ocorrer. Dessa forma, seria possível evitar a entrevista sem
descumprir a decisão.
(Quando a entrevista foi finalmente autorizada, em abril passado, a
Polícia Federal, agora sob o comando do ministro da Justiça de Jair
Bolsonaro, Sergio Moro, o ex-juiz que havia condenado Lula à prisão,
tentou transformá-la numa coletiva de imprensa. Um pedido do El País
acatado por Lewandowski finalmente pôs o plano por terra.)
Em nenhum trecho da conversa Dallagnol, que participou de forma ativa
das discussões, ou qualquer outro procurador, indicou desconforto com
as motivações políticas explícitas das estratégias da acusação. Mais do
que isso, esse grupo de Telegram, ativo por meses, sugere que esse tipo
de cálculo político era rotineiro nas decisões da força-tarefa.
Em um momento, um dos procuradores citou um artigo publicado no site O
Antagonista informando que a Procuradora-Geral da República, Raquel
Dodge, não pretendia recorrer da decisão autorizando a entrevista. Os
procuradores especularam imediatamente sobre as causas da escolha de
Dodge:
Os procuradores da força-tarefa estavam tão alarmados com a
possibilidade de uma entrevista de Lula levar o PT à vitória que
compartilharam um artigo irônico do Antagonista. Publicado naquele dia, o
texto sugeria que, num eventual governo Haddad, “Lula sai da cadeia e
os procuradores da Lava Jato entram no lugar dele”.
Os receios dos procuradores, porém, foram logo acalmados. Às 22h49 do mesmo dia, o procurador Julio Noronha compartilhou mais uma reportagem do Antagonista, dessa vez com uma boa notícia: “Partido Novo Recorre ao STF Contra Entrevista de Lula”. Uma hora depois, o clima era de comemoração. O ministro do STF Luiz Fux concedeu uma liminar contra a entrevista, atendendo ao pedido do Partido Novo. Na decisão, o ministro diz que “se faz necessária a relativização excepcional da liberdade de imprensa”. Januário Paludo foi taxativo: “Devemos agradecer à nossa PGR: Partido Novo!!!”.
Os procuradores não demonstraram preocupação com o fato de um
ministro do STF ter poder para suspender a liberdade de imprensa – ou de
que um partido que se diz liberal entrou com um pedido nesse sentido.
Pelo contrário, os procuradores comemoraram a proibição.
Por anos, a Lava Jato foi acusada de operar com motivações políticas,
partidárias e ideológicas, e não jurídicas. A força-tarefa vem negando
isso de forma veemente. Agora que suas conversas estão se tornando
públicas, a população terá a oportunidade de decidir por si mesma. As
discussões do dia 28 de setembro trazem indícios significativos de que a
força-tarefa não é o grupo apolítico e apartidário de luta
anticorrupção que os procuradores e seus aliados na mídia tentam pintar.
Ao contrário do que tem como regra, o Intercept não solicitou
comentários de procuradores e outros envolvidos nas reportagens, para
evitar que eles atuassem para impedir sua publicação e porque os
documentos falam por si. Entramos em contato com as partes mencionadas
imediatamente após publicarmos as matérias, que atualizaremos com os
comentários assim que eles sejam recebidos.
Parte das conversas....
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