Aprovada na Câmara dos Deputados, a MP (medida provisória) da Liberdade Econômica traz dispositivos que podem simplificar a abertura de empresas, diminuir a burocracia no dia a dia das companhias.
A medida foi apelidada de minirreforma trabalhista, por ter incorporado na Câmara uma série de mudanças relativas ao direito do trabalho.
Em seu texto, também há a previsão de que negócios de baixo risco não
precisem de autorizações para começar a funcionar, o fim da necessidade
de arquivamento de documentos (especialmente guias de recolhimento de
imposto) em papel e maior proteção para o patrimônio de sócios de
empresas e cotistas de fundos de investimento.
Veja as mudanças que devem ocorrer se o texto for aprovado pelo Senado sem alterações:
1) EMPRESA QUEBRADA:
Como é: Hoje há critérios menos detalhados para que sócios paguem pelas dívidas de suas empresas
Como fica: Restringe o acesso aos bens dos sócios, colocando critérios mais objetivos
Um dos pontos mais polêmicos da MP é que ela dificulta que os sócios
de uma empresa sejam cobrados por dívidas assumidas por suas companhias.
O texto especifica que isso só pode acontecer em casos em que o sócio
tenha se beneficiado de fraude ou tenha ocorrida confusão entre o
patrimônio dele e da empresa.
Entre as hipóteses que permitiriam a cobrança direta ao sócio estão a
intenção de lesar credores ou uso de dinheiro da companhia para pagar
contas do sócio.
O advogado Renato Scardoa, sócio do Franco advogados, diz que a
mudança é um incentivo ao empreendedorismo e está calcada no próprio
conceito de empresa com responsabilidade limitada.
Como exemplo, ele diz que, caso uma pessoa queira investir R$ 15 mil
em pizzaria de amigo, hoje correria o risco de perder muito mais
dinheiro do que isso caso o negócio não desse
certo, pois pode ser obrigado a pagar divídas trabalhistas e tributárias que a empresa venha a ter.
Por outro lado, Jorge Pinheiro Castelo, presidente da comissão de
direito do trabalho da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), diz
considerar que a medida irá criar um cenário de irresponsabilidade
patrimonial, incentivando práticas que lesam trabalhadores e
consumidores.
“Do ponto de vista prático, vai ser quase impossível provar que houve a fraude. É uma vedação de acesso à justiça”.
2) ABERTURA DE EMPRESAS:
Como é: Para qualquer empresa entrar em funcionamento é preciso de alvará e vistoria dos bombeiros
Como fica: Estabelecimento de baixo risco não precisam mais desses documentos
Não deverá mais ser exigida do empresário que quer iniciar uma
atividade econômica de baixo risco a obtenção de alvará de funcionamento
e auto de vistoria do corpo de bombeiros.
Renato Scardoa explica que a lei fornece uma orientação e depende da
criação de dispositivos municipais e estaduais para sua implementação.
Além disso, a definição de baixo risco também precisa ser
esclarecida. Isso pode ser feito municipalmente ou, na falta dessa
definição local, pela União.
Outro ponto é que, quando for exigida uma liberação, o poder público
deverá se comprometer a analisar a documentação da empresa em prazo
definido e, vencido ele, haverá aprovação tácita do pedido.
3) AGÊNCIA REGULADORA:
Como é: Hoje não há a exigência de um estudo aprofundado e prévio para regulação em alguns setores
Como fica: Órgão regulador terá de fazer uma análise antes de publicar norma, avaliando regras antigas e possíveis impactos
A medida também passa a exigir que a edição de normas pelas agências
reguladoras ou outro órgão federal sejam precedidas de uma análise de
impacto regulatório.
Isso significa que, para uma regra entrar em vigor, esses órgãos
terão que observar se não há nenhuma contradição ou sobreposição com
alguma outra norma antiga. Além disso, terão de analisar os impactos, se
a medida trará mais ônus do que benefício, ou se é eficiente.
“Teremos que ter mais critério. ‘Ah eu vou copiar uma norma lá dos
Estados Unidos porque ela funciona lá. Vou copiar e tornar ela vigente
aqui’. Não, você vai ter que provar que aqui funciona, com quais
benefícios, com quais custos”, disse Luís Felipe Valerim, advogado do
escritório Xavier Vasconcelos Valerim.
Hoje, segundo o advogado, há uma má regulação em alguns setores, o
que traz sobrecusto, menos competição e dificulta e entrada de novas
empresas na área.
4) ABUSO REGULATÓRIO:
Como é: Hoje não há previsão legal para que a empresa questione exigências regulatórias
Como fica: Empresário terá embasamento para questionar abuso regulatório, em casos que limitem a concorrência
A MP diz que é vedado ao poder público tomar ações que favoreçam a
concentração de mercado, exigir especificação técnica que não seja
necessária para o fim desejado ou que impeçam a adoção de novas
tecnologias.
O advogado Renato Scardoa afirma que o principal impacto introduzido
por esse conceito está na possibilidade de argumentação que oferece às
empresas no Judiciário.
“É algo que será analisado caso a caso e isso pode servir como embasamento legal para derrubar uma exigência desnecessária.”
Hoje não há essa previsão legal para que a empresa questione exigências regulatórias.
5) DIGITALIZAÇÃO DE DOCUMENTO:
Como é: Empresas são obrigadas a armazenar, por até cinco anos, documentos físicos
Como fica: Documentos podem ser guardados em meios digitais
Atualmente empresas precisam manter alguns documentos (como guias de
recolhimento de impostos) armazenados por até cinco anos. Com a medida,
eles passam a ser guardados preferencialmente em meios digitais, desde
que seja possível comprovar sua autenticidade.
6) TESTE PARA INOVAÇÃO:
Como é: Não há uma norma específica que estimule a experimentação de novos produtos
Como fica: Será possível testar e oferecer um novo produto ou serviço para grupo restrito de pessoas
Com a MP, será possível testar e oferecer, gratuitamente ou não, um
novo produto ou serviço para um grupo restrito de pessoas sem
requerimento ou ato público de liberação.
Segundo Marina Anselmo, advogada e sócia do escritório Mattos Filho,
ainda não há previsão sobre o tema na lei atual e a medida pode
simplificar a criação de novos modelos de negócios.
A medida, que pode afetar principalmente startups em setores
regulados, como o financeiro, ainda depende de norma do Ministério da
Economia.
7) FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO:
Como é: Termos de compromisso com empresas são atribuições do Ministério Público do Trabalho
Como fica: Auditor do Ministério da Economia passa poder firmar termos de compromisso com empresas
Como fica: Auditor do Ministério da Economia passa poder firmar termos de compromisso com empresas
Prevê que fiscais do trabalho, ligados ao ministério da Economia,
atuem na orientação de empresas ao perceber irregularidades, firmando
termos de compromisso para ajuste da conduta.
A ideia é ampliar o caráter orientativo das visitas. O ministério da
Economia deve disciplinar como serão firmados esses compromissos.
O acordo veda que seja imposta sanções relativas à irregularidade
alvo do acordo, o que é visto com ressalvas pelo Ministério Público do
Trabalho.
8) TRABALHO AO DOMINGO E FOLGA:
Como é: Só categorias específicas
podem trabalhar aos domingos e folgar um outro dia na semana, como os
comerciários (que têm garantido por lei uma folga de domingo a cada três
semanas).
Como fica: O trabalho aos domingos passa a ser permitido a todas as categorias, e o direito ao descanso de domingo será dado a cada quatro semanas.
Para funcionários poderem trabalhar aos domingos, é preciso que haja
uma convenção coletiva ou que a empresa obtenha uma autorização prévia
(é o que ocorre com estabelecimentos como restaurantes e lojas de
shopping).
Com a medida, a jornada de trabalho neste dia será possível sem a exigência de convenção ou autorização.
A advogada trabalhista Mayra Palópoli explica que a medida quer
permitir o trabalho aos domingos a todas as categoria sem que haja
autorização.
“Sem a aprovação da MP, a empresa poderia sofrer uma penalidade
administrativa se o empregador convocasse o trabalhador sem
justificativa.”
9) PONTO E HORA EXTRA:
Como é: É necessário registrar o horário de entrada e saída do funcionário
Como fica: Torna-se necessário computar apenas as horas a mais trabalhadas pelo funcionário
A MP diz que é obrigado a fazer registro de ponto a empresas com mais
de 20 empregados – atualmente, a regra vale para empresas com pelo
menos 10 trabalhadores.
Também autoriza o ponto por exceção,
que dispensa a marcação do horário de entrada e saída em dias habituais
e passa a ser necessário registrar apenas jornadas excepcionais,
para pagamento de hora-extra.
Para que seja aplicada, a modalidade deve ser aprovada mediante
acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de
trabalho.
Jorge Luiz Souto Maior, professor de direito do trabalho na USP, vê
risco de que a mudança traga constrangimento para o trabalhador, o
levando a não registrar todas as horas que trabalhou a mais.
Já o advogado Edgar Tavares Dias, sócio do escritório Queiroz e
Lautenschläger, disse acreditar que a ideia segue o espírito da MP de
desburocratizar as relações. Em sua avaliação, empresas que possuem boas
práticas hoje irão mantê-las, apesar da mudança.
10) RESTRIÇÃO POR DIA:
Como é: A lei diz que o funcionamento de
estabelecimentos aos domingos e feriados só é permitido em caso de
conveniência pública ou necessidade imperiosa
Como fica: Passa a ser permitida a atividade econômica em qualquer dia da semana
Define que atividades econômicas podem ser exercidas em qualquer dia
da semana, inclusive feriados, respeitando leis, desde que sejam
observadas normas ambientais, trabalhistas e de vizinhança, por exemplo.
Hoje a lei diz que o funcionamento de estabelecimentos aos domingos e
feriados é permitido em caso de conveniência pública ou necessidade
imperiosa.
No caso dos bancos, retira da lei restrição para a atividade das agências aos sábados.
11) EMPRESA DE UMA PESSOA:
Como é: Para abrir empresa com apenas um sócio é necessária a Eireli (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada)
Como fica: Passa a ser permitido empresa com apenas um sócio, sem um requisito de capital mínimo
Passa a ser permitido a abertura de empresas de responsabilidade
limitada com apenas um sócio. Com isso, deve perder sua função a
Eireli (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada), que cumpria
esse fim, mas era permitida apenas para companhias com capital social de
ao menos 100 salários mínimos.
12) DESISTÊNCIA DE AÇÕES
Como é: A Procuradoria da Fazenda tem de recorrer em ações até última instância
Como fica: Ações que tiveram decisões a favor do contribuinte em tribunais superiores ou pareceres da AGU (Advocacia Geral da União) não precisam ser alvo de recurso
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional fica autorizada a desistir
de ações em casos nos quais houver parecer do próprio órgão ou da
Advocacia Geral da União ou de tribunais superiores em caso caso
semelhante em favor da outra parte.
Ela também fica autorizada a desistir de processos quando o benefício
que puder ser alcançado não compensar seus custos, atendendo critério
de racionalidade.
Hoje, a Procuradoria da Fazenda tem de recorrer em ações até última
instância sob pena dos procuradores serem responsabilizados por omissão
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