A escalada de declarações polêmicas do presidente Jair Bolsonaro acelerou no PSDB um
movimento para se descolar do Palácio do Planalto. Depois de críticas
às declarações de Bolsonaro feitas por dois de seus três governadores —
João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) — o partido se posicionou ontem, demarcando diferenças em relação ao presidente.
“Gente, fica a dica: ser contra a ditadura no Brasil não é ser de
esquerda ou comunista. É apenas respeitar a história e ser absolutamente
contra todas as atrocidades cometidas durante o período”, escreveu o
partido em suas redes sociais.
Foi a primeira vez que a nova direção do partido, empossada em maio,
usou seus perfis para se contrapor a uma declaração do presidente.
Nesta quarta-feira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reforçou a ofensiva tucana .
“O presidente despreza os limites do bom senso por sua incontinência
verbal. Contraria documentos oficiais sobre o pai do presidente da OAB e
dá vazão a rompantes autoritários. Prejuízo para ele e para o Brasil:
gostemos ou não foi eleito. O que diz repercute e afeta nossa
credibilidade”, escreveu FH no Twitter.
Lideranças nacionais do partido afirmam que o período de “observação”
do presidente acabou e que a legenda passará a se manifestar contra
“radicalismos” de Bolsonaro. A orientação vale também para seus
ministros.
Na segunda-feira Bolsonaro, descontente com a atuação da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) no caso de Adelio Bispo, autor da sua facada,
disse que poderia explicar ao presidente da entidade, Felipe Santa Cruz,
como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar.
— Quem é essa OAB? Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é
que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não
vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele — disse.
‘Lamentável, inaceitável e infeliz’
A reação tucana veio em duas frentes. João e Leite abandonaram o tom
moderado e reprovaram publicamente Bolsonaro. “Lamentável, inaceitável e
infeliz” foram as expressões usadas por eles para se referir à postura
do presidente. Depois, nesta quarta-feira, o partido postou em suas
redes a mensagem criticando também o posicionamento do presidente.
Foi a primeira vez que a nova direção do partido, empossado em maio,
usou seus perfis para se contrapor a uma declaração do presidente. Há
algum tempo o partido estava acompanhando posicionamentos de Bolsonaro.
Embora discordasse de alguns deles, como o caso da negação de que existe
fome no país e desqualificação de dados oficiais sobre desmatamento, a
avaliação era de que não havia algo grave o suficiente para agir.
— A fala sobre a ditadura mostrou que as declarações polêmicas não
eram mais rompantes de um presidente em fase de acomodação, mas uma
forma de governar, um gesto político. Era hora então de tomar posição —
afirmou um dirigente tucano.
Pesou na decisão a avaliação de que Bolsonaro deverá continuar
radicalizando o discurso e pretende se candidatar à reeleição em 2022.
— Enquanto ele ficava falando de coisas menores… mas tocou num
assunto que não dava para o partido ficar calado — explicou um auxiliar
de Doria.
O partido acredita que, para ter chance na próxima disputa
presidencial, precisa se descolar do presidente, a quem muitas de suas
lideranças deram apoio em 2018, e se reconectar com o eleitorado mais
moderado, aquele que optou por Bolsonaro por medo de uma vitória do PT e
não por apoiar suas ideias.
Por outro lado, os posicionamentos contra Bolsonaro trazem um efeito
colateral. Eles atingem em cheio Doria, principal nome do PSDB para a
disputa presidencial. Desde que se manifestou contra o presidente
anteontem, o tucano passou a ser alvo de ataques nas redes sociais por
apoiadores de Bolsonaro que o chamam de “oportunista” e “traidor”. Em
2018, Doria apoiou Bolsonaro e se elegeu com o voto “Bolsodoria”.
Os tucanos defendem que os posicionamentos em relação às polêmicas do
presidente sejam “cirúrgicos”, segundo um integrante da direção
nacional. Não será toda declaração do presidente que terá manifestação
do partido. O foco será agir nos temas de maior repercussão e que
retratem as diferenças de pensamento entre o PSDB e o PSL de Bolsonaro —
a chamada pauta de costumes e assuntos ligados a direitos humanos.
Nesta semana, outro integrante do governo federal que recebeu um
recado dos tucanos foi o ministro da Economia. Depois de reiteradas
críticas de Paulo Guedes à social democracia, o PSDB, que leva a
bandeira no nome, divulgou nota lembrando o ministro de que Bolsonaro
votou com o PT contra o Plano Real e a reforma da Previdência no governo
de Fernando Henrique Cardoso.
PSDB na pauta.
O GLOBO
Registe-se aqui com seu e-mail
ConversãoConversão EmoticonEmoticon