Não há como uma nação se reencontrar se 30% da sua
população for sistematicamente rejeitada. Esse é o tamanho do problema
que o Brasil precisa enfrentar e superar. Significa a parcela do país
que vota e apoia o Partido dos Trabalhadores em qualquer circunstância.
Falo dos eleitores, não apenas dos militantes. Me refiro aos que
acreditam na política de mudança do partido, não aos seus líderes. Os
que acreditam e sustentam o PT são a maioria do terço de eleitores
perenes do partido, não os que foram flagrados nos dois grandes
escândalos de corrupção que marcaram as gestões petistas.
Esse agrupamento político, talvez o mais forte e
sustentável da história partidária brasileira, tem que ser readmitido no
debate nacional. Passou da hora de os petistas serem reintegrados.
Ninguém tem dúvida de que os malfeitos cometidos já foram amplamente
punidos. O partido teve um ex-presidente e seu maior líder preso e uma
presidente impedida de continuar governando. Outros líderes históricos
também foram presos ou afastados definitivamente da política. Hoje,
respeitadas as suas idiossincrasias naturais, homens e mulheres de
esquerda devem ser convidados a participar da discussão sobre o futuro
do país. Têm muito a oferecer e acrescentar.
A gritaria contra a roubalheira já cansou, não
porque se queira permitir roubalheiras, mas porque é oportunista
politicamente. Claro que houve desvios de dinheiro público na gestão de
Lula e Dilma, as provas são abundantes e as condenações não deixam
dúvidas. Mas o PT é maior que isso e, como já foi dito, para ladrões
existe a lei. Imaginar que o partido repetirá eternamente os mesmos
erros do passado é uma forma simples, fácil e errada de se ver o mundo.
Os erros amadurecem as pessoas, as instituições, os partidos políticos.
Não é possível se olhar para o PT e ver só corrupção. O petismo não é
sinônimo de roubo, como o malufismo.
Superada esta instância, que é mais fácil, terá de
se ultrapassar também a índole autoritária que um dia foi semeada no
coração do PT e vicejou. Exemplos são muitos, como a tentativa de
censurar a imprensa através de um certo “controle externo da mídia”, de
substituir a Justiça por “instrumentos de mediação” em casos de agressão
aos direitos humanos, ou de trocar a gestão administrativa por
“conselhos populares”. Se estas tentações foram barradas no passado,
quando até o centrão apoiava o PT, certamente não prosperarão num
ambiente muito mais polarizado como o de hoje.
O fato é que o ódio dirigido ao PT não faz mais
sentido e precisa ser reconsiderado se o país quiser mesmo seguir o seu
destino de nação soberana, democrática e tolerante. Não pode se esperar
essa boa vontade dos que carregam faixas pedindo intervenção militar e
fechamento do Supremo e do Congresso, um grupelho ideológico, burro e
pequeno que faz parte da base do presidente Jair Bolsonaro. Mas é
bastante razoável ter esta expectativa em relação a todos os outros,
sejam eles de direita, de centro-direita ou de centro.
Não se pode negar que parte considerável do Brasil é
de esquerda. Como tampouco há como se ignorar a força da direita
nacional. Ambos os campos existem e precisam ser representados
politicamente. O Brasil não tem tempo para esperar por uma outra
esquerda, renovada e livre da influência do PT. O país precisa se
reencontrar logo para construir uma alternativa ao bolsonarismo, este
sim um problema grave que deve ser enfrentado por todos. Perdoar o PT
não significa abrir mão de convicções. Ao contrário, significa
pavimentar caminhos pelos quais pode se chegar ao objetivo comum de paz e
prosperidade.
Nossa...
ASCÂNIO SELEME – O GLOBO
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