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* Brasil já tem 1,4 milhão de casos de síndrome pós-Covid, alertam médicos e cientistas.

 Médicos e cientistas alertam que a síndrome pós-Covid já atinge 1,4 milhão de pessoas no Brasil e se alastra como uma onda na vala aberta pela pandemia em um de seus piores momentos. Assim como apontaram a iminência da falta de oxigênio, UTIs e medicamentos nos hospitais do país, eles agora chamam a atenção para o risco de faltarem ambulatórios e profissionais para atender a tanta gente com sequelas da doença.

A síndrome pós-Covid denomina, sobretudo, a manifestação de sintomas por mais de três meses após a fase aguda da Covid-19. Entre os problemas estão infarto, arritmia, depressão, perda de memória, falta de ar, dificuldade de raciocínio, fadiga e dores intensas, diarreia crônica, perda de cabelo e distúrbios de pele. Ela pode se prolongar por meses. Nos casos mais brandos, afeta a qualidade de vida, nos mais severos pode incapacitar e matar.

— É uma crise dentro da crise sanitária. E uma sobrecarga para um sistema de saúde já colapsado — afirma Carlos Alberto Barros Franco, um dos primeiros médicos a tratar de Covid-19 no Brasil.

Um dos pneumologistas mais respeitados do país, ele aponta também que a estimativa da OMS é a de que uma em cada dez pessoas que contrai Covid-19 desenvolve a chamada síndrome pós-Covid, caracterizada pela persistência de sintomas após 12 semanas. Um número ainda maior de pessoas, 25% dos pacientes de Covid-19, apresenta sintomas por até quatro a cinco semanas após testar positivo, no que tem sido chamado de Covid longa.

Em números de ontem, isso equivale a 1,4 milhão de casos (14.172.139 casos totais) de síndrome pós-Covid e a 3,5 milhões de Covid longa no Brasil.

A permanência de alguns sintomas e o surgimento de outros em pacientes de Covid-19 têm sido observados desde meados de 2020. Porém, este ano o problema tomou tal magnitude que recebeu classificação própria pela OMS.

Barros Franco estima que cerca de 53% das pessoas com síndrome pós-Covid sofram com fadiga crônica e 43% com falta de ar. Outros sintomas frequentes são dor toráxica, perda de olfato e paladar, zumbido crônico, insônia, dor articular, depressão, dificuldade de raciocínio, diarreia crônica, lesões na pele, miocardiopatia, infarto e diabetes.

— A síndrome já configura por si só uma tragédia. Existe uma multidão de brasileiros doentes com sequelas da Covid-19. Alguns com sintomas até mais graves do que os da própria doença. E eles precisam de tratamento num momento em que toda a rede de saúde já está no limite — salienta Barros Franco, cujo consultório, revela, não passa um dia sem que cheguem pacientes com pós-Covid.

Os danos característicos da síndrome são graves, em diferentes órgãos, e com duração desconhecida.

— Há muito sofrimento individual e perdas econômicas, com um significativo número de pessoas que não conseguirá trabalhar mais — diz o médico, que coordenou evento dedicado à síndrome pós-Covid promovido este mês pela Academia Nacional de Medicina (ANM).

Nele, alguns dos maiores especialistas do país advertiram que o Brasil precisa estabelecer diretrizes e protocolos para a síndrome pós-Covid, a exemplo do que já fazem países europeus e os EUA e como recomenda a OMS.

— O Brasil, que não se preparou para enfrentar a pandemia, não deve deixar a situação se agravar ainda mais agora com a pós-Covid. A vacina é fundamental e prioritária, mas isso não significa que o país possa deixar de lado esse problema — salienta o presidente da ANM, Rubens Belfort Jr.

Principal motivo de consulta nos próximo anos

Toda pessoa que teve Covid-19, especialmente as que precisaram de internação, indica Barros Franco, deve ir ao médico 12 semanas após a doença aguda. Há uma série de exames que podem detectar complicações.

Especialistas detectaram uma elevada incidência de infartos e arritmias cardíacas nos três meses do pós-Covid. O grande nó é que o sistema de saúde brasileiro mal tem conseguido dar conta dos casos agudos de Covid-19.

— Não tenho dúvida de que nos próximos dois anos a síndrome pós-Covid será o principal motivo de consulta em várias especialidades — diz Barros Franco.

A ciência ainda não sabe responder, no entanto, por que algumas pessoas desenvolvem a síndrome pós-Covid. Já se observou que idade mais avançada, gravidade do caso agudo (da Covid-19 propriamente dita) e ser mulher podem ser complicadores.

Mas sintomas sérios podem ocorrer em pessoas que tiveram casos leves e até assintomáticos de Covid-19, destaca Flávio Kapczinski, diretor do Centro para Neurociência Clínica da Universidade McMaster, no Canadá.

A comunicadora Carla Filippini, de 41 anos, estava em forma, praticava atividade física regular. Mas veio a Covid-19 e sua saúde nunca mais foi a mesma Foto: Arquivo pessoalA comunicadora Carla Filippini, de 41 anos, estava em forma, praticava atividade física regular. Mas veio a Covid-19 e sua saúde nunca mais foi a mesma Foto: Arquivo pessoal
A comunicadora Carla Filippini, de 41 anos, conhece bem a longa lista de sintomas da síndrome pós-Covid. Esta semana, ela teve mais uma consulta com um especialista em dor. Depois de contrair Covid-19 sua saúde nunca mais foi a mesma.

Ela adoeceu em 4 de janeiro, foi internada no dia 13 com trombose na perna esquerda, precisou de UTI. Teve alta seis dias depois. Mas não foi o fim de seus problemas. Primeiro, veio uma intensa dor de cabeça que até hoje a atormenta. A esta se seguiram falta de ar, insônia, tonteira, intensa fadiga muscular, perda de memória, redução da visão. Ela passou por duas internações e quatro idas ao pronto-socorro. Abril termina sem alívio.

— É uma agonia permanente, com dores e sem saber quando vai passar. Me angustia saber que muita gente sofre sequelas e nem sabe que foi a Covid-19 a causa de tudo. A pós-Covid tem sido pior do que a própria doença — lamenta Filippini.

Preocupante...
O GLOBO

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