O relatório parcial da Polícia Federal sobre os
atos antidemocráticos encaminhado à PGR no início de janeiro a que a TV Globo
teve acesso mostra que aliados do presidente Jair Bolsonaro atacaram o Supremo
Tribunal Federal após um julgamento sobre a pandemia. Chegaram a
falar em “guerra institucional”.
Os ministros tinham decidido que gestores públicos
podem ser punidos se deixarem de seguir a ciência na pandemia. Apesar dos
ataques, a Procuradoria-Geral da República pediu
o arquivamento do inquérito ao Supremo, sem solicitar novas diligências.
O Fantástico teve
acesso à análise feita pela Polícia Federal de mensagens no celular do
empresário bolsonarista Otávio Fakhoury que mostra uma conversa em 22 de maio
de 2020 com a deputada Bia Kicis, do PSL. Ela é a atual presidente da Comissão
de Constituição e Justiça da Câmara e uma das principais aliadas de Bolsonaro.
A deputada enviou um áudio para o empresário
transcrito no relatório da Polícia Federal no qual diz que: “o Barroso chegou a
citar a hidroxicloroquina. Ou seja, estão querendo impedir né o Bolsonaro de...
de recomendar né.”
O empresário responde: “Canalhas. Olha, vai ser
muito difícil terminar esse governo sem entrar de cabeça numa guerra
institucional contra eles, porque eles é que invadem o Executivo.”
O ministro Luís Roberto Barroso foi
o relator no julgamento do Supremo Tribunal Federal que limitou a Medida
Provisória que livrava agentes públicos de punição durante pandemia. Um dia
antes da conversa entre a deputada e o empresário, os ministros do Supremo
decidiram que os agentes públicos podem ser punidos se deixarem de seguir
critérios técnicos e científicos de autoridades reconhecidas nacionalmente e
internacionalmente. É o caso, por exemplo, da recomendação para o uso de
medicamentos sem comprovação de eficácia para o tratamento da Covid. Nos votos,
ministros falaram explicitamente que não era possível indicar cloroquina.
Apesar das mensagens entre Bia Kicis e o empresário Otávio Fakhoury, a
PGR decidiu arquivar a investigação sobre a participação dela nos atos
antidemocráticos.
Em abril de 2020 foram realizadas manifestações
antidemocráticas, com ataques ao Supremo e ao Congresso Nacional e a favor da
reedição do AI-5, o ato mais duro da ditadura militar. O próprio presidente
Jair Bolsonaro discursou em um dos protestos, em frente ao quartel-general do
Exército, em Brasília. Bolsonaro, no entanto, não foi investigado.
Na sexta-feira (4), a Procuradoria-Geral da
República pediu o arquivamento das investigações sobre os parlamentares - além
de Bia Kicis,outros sete deputados do PSL:
· Alê Silva (PSL-MG)
· Aline Sleutjes (PSL-PR)
· Carla Zambelli, (PSL-SP)
· Caroline de Toni, (PSL-SC)
· General Girão, (PSL-RN)
· Guiga Peixoto, (PSL-SP)
· Junio Amaral, (PSL-MG)
O pedido não atinge o deputado Daniel Silveira, do PSL,
que já é réu no inquérito, e o deputado Otoni de Paula, do PSC, que já foi
denunciado. E a PGR recomendou que seis investigações - contra quem não tem
foro - sigam para instâncias inferiores.
Um despacho mostra que o ministro Alexandre de Moraes enviou
o relatório parcial da Polícia Federal para a PGR se manifestar no dia 4 de
janeiro. A resposta da Procuradoria levou 5 meses e não foram feitas
diligências.
A PGR informou à TV Globo que recebeu o inquérito
em fevereiro, mas um documento mostra que o relatório parcial foi recebido pela
procuradoria no dia 5 de janeiro. A PGR diz também que fez uma auditagem da
investigação realizada pela PF, mas não afirma que fez diligências.
A principal crítica da Procuradoria para pedir o
arquivamento foi que, depois de um ano, a Polícia Federal não teria aprofundado
as investigações, não teria seguido, por exemplo, o rastro do dinheiro para
organizar e financiar os atos antidemocráticos. Mas no relatório da Polícia
Federal, os investigadores propuseram aprofundar várias investigações.
A PF queria mais dados sobre uma investigação da
empresa Atlantic Council - que tem uma parceria com o Facebook para analisar
grupos responsáveis por disseminar desinformações em eleições democráticas.
Essa investigação tirou do ar contas e perfis ligados à família Bolsonaro, que
a empresa chamou de "redes de comportamento inautêntico coordenado",
redes de contas falsas.
A Polícia Federal reuniu dados externos e disse que
foram "identificados 1.045 acessos de conta apresentadas no relatório da
Atlantic Council oriundos de órgãos públicos: Presidência, Câmara, Senado,
Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Além disso, foram identificados
acessos oriundos do comando da 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea".
A PF propôs avançar as apurações sobre a utilização
de contas falsas, no nome de outra pessoa, "possivelmente operadas por
Tércio Arnaud Tomaz", assessor de Bolsonaro e apontado como um dos
integrantes do chamado 'gabinete do ódio'. Mas a PGR não aceitou.
O pedido de arquivamento das investigações foi
assinado pelo vice- procurador-geral, Humberto Jaques de Medeiros e não pelo
procurador-geral, Augusto Aras. O
ministro Alexandre de Moraes ainda vai analisar o pedido e o material produzido
pela Polícia Federal.
A defesa de Otávio Fakhoury disse que não teve
acesso ao relatório da Polícia Federal e que o vazamento da investigação
distorce os fatos, constrange o cliente e perpetua um cenário já reconhecido
pela PGR como inexistente.
Numa rede social, a deputada Bia Kicis disse que
depois de meses de investigação, com quebra de sigilos bancário e fiscal, nada
encontraram.
O Fantástico não teve retorno de Tércio Arnaud.
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